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outubro 31, 2005

Ninguém está inocente???!!!

Há tiros em pontos diferentes da cidade, isto não é um filme, é um golpe.

Rafael, Manuel Alegre






Olho para o extenso libelo que o público publica hoje sobre a dama de Felgueiras e fico estarrecido. As redes de cumplicidade, os alquevas de lama, o cheiro nauseabundo que sai de todo este “affaire” são, mesmo para pituitárias portuguesas, demasiado.

Então quem é que não está implicado? Pelos vistos quase ninguém entre os circunstantes deste processo social de sacos azuis, compras de automóveis, fugas para o Brasil e combinações estranhas com as polícias.

Não havia a senhora de ostentar aqueles ares de grande dama acima de qualquer suspeita e muito acima da lei que obriga os “vulguérrimos” indígenas. Pois se, pelas cumplicidade, protecções e conluios ela estava mesmo muito acima dessas torpes preocupações.

Acho que vou deixar de fazer reparos ao comportamento da senhora e vou mesmo defender que, entre muitas outras coisas que fez e não fez, ela nunca fugiu para o Brasil. É que, pelo andar da carruagem, além de possivelmente vir a ser ilibada dos 23 crimes de que está acusada, ainda acabo eu, no banco dos réus, por ter afirmado que as malfeitorias cometidas, sendo degradantes para qualquer um e do domínio público, não parecem ter qualquer efeito na contínua notoriedade e ascensão da personagem Fátima.

Creio que começo a correr o risco de reconhecer a verdade de uma máxima dos velhos inquisidores: ninguém é inocente; todos são culpados de algo, que mais não seja do pecado original!


Com excepção da D. Fátima, é claro!

outubro 29, 2005

Formação do Núcleo do Barreiro de apoio à Candidatura de Manuel Alegre

Uma coisa me perturbou: foi quando o jornalista Rui Rocha, do Expresso, num excelente texto que escreveu sobre este livro, destacou as duas primeiras letras de Manuel e Alegre. Vai-se a ver e dá MA e AL. Lê-se ao contrário e é ALMA.

Alma, Arte de Marear, Manuel Alegre





Há já muitos anos que não sentia a alegria de estar a lutar por uma causa.

A gente sabe, a institucionalização da Democracia, um bem em si mesmo, não deixa de nos “empantufar” um pouco o entusiasmo participativo.

Começamos a pensar que já fizemos a nossa parte, que os partidos estão cá mesmo para isso, que o voto é participação bastante e passamos procuração para que outros se preocupem com o estado da Nação.

Um pouco como se contratando um empregado para tomar conta da manutenção da nossa casa, acabássemos por nos convencer, e a ele também, que já nada tínhamos a dizer ou que não aceitaríamos qualquer preocupação a respeito da casa, porque isso seria meramente função desse empregado.

Parece absurdo mas é assim que nos vamos comportando em política.

Ou, pelo menos, íamos.

A candidatura de Manuel Alegre à Presidência e as suas circunstâncias vieram acordar muitas das consciências, que como a minha, lá iam andando no ramerrão quotidiano da participação cívica. Isto é, opinávamos, indignávamo-nos, mas continuávamos a pensar que aquilo não era connosco. Os outros, os lá da política, que resolvessem as coisas.

Só que os outros da política somos nós todos. É a este conjunto, formado neste território que é a Pátria, que pertence a soberania. Disto nos veio, com o seu gesto político de rebeldia poética, recordar Manuel Alegre.

É certo que ele veio para incomodar e parece estar a incomodar muita gente.

Por outro lado, como já se não via desde o caso de Timor, as pessoas estão a falar-se, a contactar-se, a organizar-se para suprirem a estrutura de apoio que a Manuel Alegre foi negada de forma muito pouco ética.

Não quero retirar aos partidos o direito de apoiarem seja quem for, mas não deixarei, e espero que não deixemos, que os partidos nos queiram tirar a nós esse direito.

Como qualquer democrata não sou nem posso ser anti-partidos, mas não aceito que pretendam monopolizar toda a acção política. A visão dos aparelhos pode não coincidir com os desejos das populações, como no presente caso se demonstra e o tempo virá, certamente, a consolidar esta percepção.

É pois chegado o tempo de passarmos à acção organizada. Peço a todos os interessados, na Cidade do Barreiro, que queiram fazer parte do núcleo de apoio nesta cidade que, através deste Blogue, me contactem.

Juntos descobriremos o tempo e o modo da acção a desempenhar para levarmos à mais alta instância do Poder o cidadão Manuel Alegre, a pessoa e a voz que as circunstâncias pedem.

outubro 27, 2005

A minha mulher anda cinzentinha

Duvidar e agir, agir e perguntar, eis o meu lema. Na vida e na escrita.

Duvidar e Agir, Arte de Marear, Manuel Alegre





Ando a ficar basto desconfortável. Por causa da cor da minha mulher.
Eu conto. Sempre foi radiosa e brilhante. Inteligente e activa não parava um momento. Gostava do seu trabalho e entregava-se a ele com devoção diária e sem ligar a tempos nem horários.

Achava que mais que uma profissão tinha uma missão. Por isso preteriu propostas de emprego mais bem remuneradas e aparentemente mais prestigiosas. Mas não! Era aquilo que ela queria e nada mais a motivava.

Por vezes, pensava eu, e ainda penso, era de mais! No meu materialismo rasteiro não compreendia a sua entrega total a um trabalho tão mal pago e com tantas e tantas horas doadas, nem sequer reconhecidas como tal. Mas ela não se importava, continuava a pensar que o seu trabalho era importante e dele dependeria, de alguma forma, o futuro de todos nós.

Todos os anos fazíamos projectos de fins-de-semana magníficos. Todos os anos, em quase todos os fins de semana, adiávamos para o fim-de-semana seguinte o magnífico projecto, porque um trabalho, uma pesquisa, uma actualização ou uma proposta nova – entre tantas outras coisas – vinha impossibilitar a realização do programa desejado.

Então projectava-se uma mais comezinha ida ao cinema, a um concerto, ao teatro e… não íamos porque algo se tinha complicado e era preciso mais tempo, mais estudo, mais trabalho.

E o dinheiro gasto em livros para actualização? E o tempo para pesquisar em bibliotecas e livrarias?

Incontáveis, meus senhores! Tudo a suas expensas em horas e dinheiros!!...

Mas, apesar disso, a minha mulher continuava luminosa e activa a destilar espírito de missão.

Só que, há uns tempos para trás, começou a acinzentar. Arrasta-se, parece deprimida e olha para as coisas, que tanto a entusiasmaram, com um “olhar distanciado” entre o baço e o displicente.

Cheio de desespero e de frustração perguntei-lhe se a podia ajudar? De que sofria? Respondeu-me, desalentadamente, que a não poderia auxiliar e pensava mesmo que ninguém, a curto prazo, o poderia fazer.

Sofre, confessou-me com alguma vergonha, de ser professora do ensino secundário!

Dei-lhe toda a razão! Este mal, nestes tempos, não tem mesmo remédio nenhum.

outubro 25, 2005

Há patinhos no Barreiro

Mensageiros andaram de aldeia em aldeia.
Algo de estranho se deve passar
se de novo convocam a Assembleia.

Um barco para Ítaca, Manuel Alegre







O Parque da Cidade virá, com o tempo e o crescer das árvores, a ser um local belo e aprazível nesta cidade que, em beleza, não é muito pródiga.

O espaço é amplo, os relvados extensos, a água faz parte da arquitectura e casa-se bem com o ambiente.

Nos logradouros aquáticos, que poderiam estar mais limpos e menos verde-pântano, transitam submersos cágados ou tartarugas e por todos os hectares do terreno – com ou sem água – uma variegada onda de patos, de muitas e desvairadas cores e raças, convivem fraternamente com a população, sobretudo com as crianças maravilhadas por alimentar à mão tão interessantes criaturas.

Para o jovem urbano é de facto um gárrulo convívio com a natureza.

Pois é! Tudo isto seria formidável se não fosse esta inquietante gripe aviária, que ameaça por aí transformar os “pessarinhos” mais ornamentais ou comestíveis em sérios agentes de guerra biológica, não estando livres de conseguirem esta condição o inumeráveis patinhos, livres e voadores, que habitam o parque.

Não sou zoólogo, nem biólogo e muito menos ornitólogo – que é uma palavra esquisita para em relação a ela se ser – portanto não sei quais serão os comportamentos dominantes destas simpáticas aves residentes. Sei, no entanto, que os seus primos são inveterados viajantes e que aqui existe um enorme sapal que pode ou não estar inscrito nas rotas turísticas destes palmípedes, possibilitando-lhes zonas de escusa promiscuidade.

Não me querendo imiscuir na moral dos patos fiquei porém algo preocupado com a possibilidade de contactos não autorizados e pela excessiva liberdade dos nosso incautos patinhos, que no pior dos casos os pode levar a uma morte prematura.

Então, corri à Web página da Câmara do Barreiro e, pelo e-mail do munícipe, disparei aos nossos edis a minha preocupação.

Tempo passou e autárquicas também, pelo que, câmara a mudar, ninguém me ligou nenhuma.

Não é que eu me julgue um cidadão acima de qualquer outro mas penso que quando alguém se dirige à Câmara, para apresentar reclamações ou sugestões, por uma mera questão de decência, deverá, ao menos, ver acusada a recepção da sua missiva. Ou estarei errado?

Como nada disto aconteceu, fui, no Domingo passado, verificar se tinha havido alguma alteração na vigilância ou restrição de movimentos dos nossos grasnadores. Qual quê! Até parece que a aves me conheciam e sabedoras da minha denúncia faziam gala em seguir-me, por todos os caminhos, evitando apenas pousar-me em cima por não terem a certeza de estarem mais a meu gosto em plena natureza ou num arroz de forno.

A minha vingança, em relação a elas e à Câmara, é que nunca saberão!

outubro 23, 2005

A Estrada - Poema

E há duzentos quilómetros de morte
Em duzentos quilómetros de terra. (…)
Metralhadoras cantam a canção da guerra.

Metralhadoras cantam, Praça da Canção, Manuel Alegre



a estrada

a estrada é velha, poeirenta, gasta
a estrada que aqui fica e se afasta

a estrada que tem morte e tem tristeza
em cada metro atraiçoa a natureza
a estrada que o é e nada mais
por ser tudo e mesmo ais

a coluna partiu às sete horas
- era para partir às seis
mas há sempre estas demoras

em cada carro os olhos esbraseiam
em cada curva os medos incendeiam
os homens olham, os homens sonham, os homens morrem
há os que choram, os que gritam, os que correm

foi tudo tão súbito como o inesperado
um tiro que partiu, o zé ensanguentado

porra! jesus! Uma blasfémia e uma oração
filhos da puta! se os apanho! não! não!! não!!!

socorrei-me senhor! ave maria!
que mal fiz eu?! - entretanto o zé morria
a pensar na mãe, na maria e naquela noite de amor-
ao seu lado, um incógnito manuel, que fora professor
é um anjo louco a distribuir morte

que se lixe! aqui, o que é preciso é sorte
e cospe para o lado e pensa na paz

há pouco caiu também o vaz
tem a cara desfeita e um braço fora
que interessa, chegara a sua hora

o lopes chora de medo encostado a uma palmeira
bateram duas balas mesmo ali, à sua beira
e nem sequer se mexeu
( nunca se mexe e ainda não morreu )

cuidado! aí vem a morteirada

( três segundos de incerteza...
... e não foi nada )

olhe furriel! está um naquela palmeira
vá abaixo! tratem-lhe da pasmaceira

e três espingardas mal-intencionadas
vão deixar a pele negra, avermelhada

este foi um recontro à hora do sol-pôr
- à hora a que dantes fazíamos amor
a quatro mil quilómetros de distância
a mais de uma centena de horas d’ânsia -
no dia sem amanhã, sem até logo, eternidade
do dia sempre igual e sem idade

à hora do sol sentir a dor que é minha
a estrada lá está e lá caminha

que a morte tem mil cheiros
sob a fronde verdosa dos mangueiros

outubro 21, 2005

Despenalização do Aborto

E havia laranjas. Havia um país de leite e de limão.

Um Barco para Ítaca, Manuel Alegre







Andam por aí, aflitas, vozes da direita, com receio de que o PS prescinda do Referendo sobre a despenalização do aborto e avance com a alteração da Lei na Assembleia da Republica.

O interessante é que usam um argumento ético para pressionar o Primeiro-Ministro. O argumento é nem mais nem menos que esta foi uma promessa eleitoral!

Como não estamos habituados a que o Governo quebre promessas eleitorais a nossa alma pasma.

E, no entanto, o PS tem todo o direito em encarar a possibilidade de excluir o referendo e avançar com a actualização da Lei.

Primeiro porque forças contrárias tem usado todos os meios para, se não inviabilizar, pelos menos retardar essa consulta popular. Veja-se, como agora, com uma discussão bizantina sobre se se está na mesma legislatura – após as novas eleições - ou se estamos numa nova, estão a tentar novo adiamento, para as calendas e, se possível, quando o panorama político lhe possa vir a ser mais favorável.

Dir-me-ão que isso é parte do combate político e que cada um tenta fazer prevalecer a sua ideia e procurará o melhor momento para as fazer vingar.

Embora concordando com estas posições, em termos genérico, tenho de ressalvar que não estamos, no caso do aborto, numa posição equitativa.

Enquanto os antiaborto pretendem obrigar, universalmente, toda a gente a comungar de posicionamentos e valores próprios e paroquiais, os defensores da despenalização apenas querem uma lei que não criminalize quem tenha que recorrer à interrupção da gravidez, a qual não obrigará ninguém, que a não aceite, a faze-la.

Isto faz alguma diferença, não faz?

outubro 19, 2005

P(M)S - Partido do Mário Soares

Sinto um peso no coração, disse Jerónimo que de Argel telefonou para Paris.

Rafael, Manuel Alegre








Pelas notícias que ouvi hoje, estamos a assistir a uma refundação do PS – Partido Socialista para P(M)S – Partido do Mário Soares.

A questão é a seguinte: o Dr. Jorge Coelho e outras autorizadas vozes, vieram à ribalta informar os socialistas apoiantes da candidatura de Manuel Alegre que:

- não deveriam utilizar os meios técnicos do Partido socialista e;

- embora legitimamente eleitos em Assembleia para cargos partidários desaconselhavam-nos de participar nos mesmos.

Ora este tremenda lógica pressupões que

a) – os apoiantes de Manuel Alegre quereriam utilizar os meios técnicos do partido a favor do seu candidato, esquecendo que, ao anunciar a sua candidatura, o Dr. Manuel Alegre informou de que não disponha de estruturas de apoio e que as mesmas teriam que ser formadas pelos apoiantes. A conclusão a que mais uma vez sou obrigado a chegar é que, para as bandas do aparelho socialista, não se sabe o valor da palavra ética nem o que significa um mínimo de boa educação;

b) – alguns membros influentes dos órgãos partidários se sentem com maior legitimidade que o congresso para determinar quem deve ou não tomar assento nas assembleias decisórias;

c) – apesar da candidatura para a Presidência de Republica não ser da responsabilidade dos Partidos mas sim dos candidatos; apesar de Mário Soares não se cansar de repetir não ser candidato do PS mas sim um candidato apoiado pelo PS, este partido, mais papista que o papa, acha por bem começar um movimento de expurgo dos dirigentes –e a seguir, possivelmente, militantes – que tenham a coragem de escolher outro candidato.

Parece-me que tenho de ir ao dicionário ver o significado das palavras desvergonha e prepotência, bem como habituar-me a ver na Republica um partido de índole unipessoal, pouco republicano, nada socialista e quanto a laicidade a deixar muito a desejar.

outubro 14, 2005

rostos

Meu amigo cantava. Dizem que cantava.
E de repente
quebram-se nas veias os relógios (...)
A Segunda Canção com Lágrimas, Praça da Canção, Manuel Alegre
rostos



para o adriano correia de oliveira


I

pelos interstícios da razão
vislumbra-se a paixão do raciocínio

o horizonte fundido sobre a rota dos barcos
escapa dentro do texto que se julga
sempre a caminho do mar

a neblina colcha de torrente
comanda-me a voz
em prosas no olhar

pela altura da vaga
mede-se a esperança

à janela do tempo
acrescento qualidades
às minhas sensações

um homem
com os dias azulinos sobre o mar
traça o curso das querenas

II

eram tão poucos os rostos
franjados de presságios
para os árduos barcos
que o sonho requeria

entre enganos e dias
restolhavam vozes
cobertas de noite
onde o silêncio
começava a existir

mas eram tão poucos
a mondar nos trigos dos critérios
o gorgulho dos prantos

ausentes da revolta
agora vamos sozinhos

os deuses são abismos do futuro

III

alguns barcos encalham e apodrecem
dentro dos rios crescem as barragens
balanço de metáforas transformação de cidades

nas máscaras do grito espia-se o grito
neste país de fronteiras sem vizinhos as borboletas das noites de agosto
turbilhonam sentidos que não sabemos

perguntado ao rio qual o caminho
o bafo das neves sem repouso
remete ao local sonolento dos princípios

a voz a pedra a tensão do futuro
contra o tempo

ícaro promete despertar

outubro 13, 2005

Independentes? Qual é o mal

A cidade invisível dentro da cidade visível. Procuro nas pedras,
procuro nas sombras.

Rafael, Manuel Alegre





Lá foram as autárquicas e, do bando dos quatro, apenas um deu com os burrinhos na água. Democraticamente aceitamos, embora fiquemos eticamente horripilados.

Já foram feitos inúmeros comentários sobre este assunto pelo que passo adiante e fico-me com algo que me anda a incomodar. Eu explico.

Utilizando o pretexto de que os atrás citados senhores (e senhora) eram independentes, comentadores e partidários começaram a alvitrar que haveria alguns inconvenientes na candidatura de independentes às autárquicas. Estão a topar??!!

A mim, por ser ingénuo, pareceu-me que não só estavam a desviar-se do assunto, como estariam a mandar barro à parede. É que, segundo me parece, não há nem houve qualquer problema pelo facto de cidadãos, com ou sem filiação partidária, decidirem concorrer, fora do guarda-chuva do partido, às eleições onde o possam legalmente fazer.

O problema do bando dos quatro não é o de serem independentes, mas o de terem processos pendentes na justiça, por indícios criminais, que se prendem com a sua gestão autárquica. Ou estarei equivocado?

Assim vamos lá a ter juízo e contenção e não queiram, por todos os meios, criar oligopólios políticos.

Independentes de todo o mundo, mostrai-vos!!! (onde é que eu já ouvi isto?)

outubro 08, 2005

Um caso de polícia...

Estás enganado (…) o importante é o resto, o que vem a seguir, por isso
é que temos de fazer um Pacto, vamos ser incómodos para muita gente.

Rafael, Manuel Alegre





Tenho uma amiga que não se chama Épsilon e que vive num lugar recatado, com alguma base arquitectural e uma envolvência bastante calma.

Ou isto é o que ela pensava…

Pois é! Numa destas madrugadas acordou subitamente – e presumo que como grande parte do bairro – com ruídos de potentes motores a toda a brida, chiar de pneus, tiros e estarrecedores sons de embates de/em viaturas.

Sobressaltou-se, como é de esperar que aconteça a quem vive em lugares onde não se esperam acontecimentos, e veio à janela que dá para a praceta dos eventos.

E viu – valha-a Deus – a GNR, em grande velocidade, em perseguição de malfeitores que, na melhor tradição dos filmes americanos, rodavam em poderoso “Jipe”, fugindo aos guardas, ao tiros e sem o mínimo respeito pelos tranquilos e estacionados carros de todos os dias de trabalho, os iam amolgando na precipitada passagem.

Azar dos portugueses, dirão… é sim senhor mas, sobretudo para a minha amiga que não se chama Épsilon, acordado pelo ruído e para o desespero de ver a sua viatura vitimada inocentemente pelas circunstâncias.

Não seria pouco se a coisa ficasse por aqui…

Então, os meliantes fizeram a guarda gastar pólvora e gasolina e…escaparam! Calculo que os guardas hão-de ter ficado frustrados. É humano, que diabo…nem sempre se pode apanhar quem tem um carro mais veloz e, mesmo havendo comunicação com outras patrulhas um “jipe” pode andar por caminhos de cabras e escapar aos agentes.

Quem não escapa com certeza é a minha amiga e os restantes proprietários de veículos amassados.

Não conseguindo agarrar quem de direito, esmeraram-se, na madrugada, a interrogatórios cerrados e exaustivos às ensonadas vítimas, como se elas fossem culpadas do seu desaire e dos prejuízos que elas próprias sofreram nos seus móveis – ali quedos e mais ou menos estropiados – pertences, só as deixando quando a sua autoridade se esvanecia com o passar da noite.

Se pensam que a aventura dos suspeitos moradores da pacata urbe termina aqui é porque não conhecem a proficiência e respeito pelo cidadão dos guardadores da nossa tranquilidade. Na noite seguinte, já passada a meia-noite, voltou a minha amiga a ser “contactada”, desta vez pelo telefone, pela simpática autoridade que queria confirmar alguns dados sobre a viatura e que não achara melhor forma e tempo de actuação que aquela…

aproveitando para informar que para ser ressarcida dos prejuízos havidos teria que levantar o auto do acontecimento – pagando-o – e que fazer um depósito, salvo erro para o Fundo de Garantia Automóvel, de cerca de sessenta contos, o qual a seu tempo decidiria de pagava ou não o arranjo do carro.

Encantadora esta estória e demonstrativa quer do respeito da “autoridade” pelos direitos e garantias dos cidadãos quer da eficiência demonstrada, neste caso, a todos os níveis.

A viatura da minha amiga lá está, amarrotada e infeliz, sem saber bem o que lhe aconteceu, à espera que ela a mande para a oficina, pague a conta e continue a aturar toda a burocracia autoritária que se segue, pagando todos os gastos e prejuízos do seu bolso, na esperança de um dia, um qualquer instituto se lembrar que existe para suprir faltas de seguro ou incidentes deste género, de molde a que o cidadão agredido, na sua pessoa ou nos seus bens, seja facilmente ressarcida e não tenha que aguentar sempre com este azar de ter nascido em Portugal.

outubro 04, 2005

O que sei de Abril em nós





Eu canto para ti Lisboa à tua espera
teu nome escrito com ternura sobre as águas
e o teu retrato em cada rua onde não passas
trazendo no sorriso a flor do mês de Maio

Praça da Canção, Canção com Lágrimas e Sol, Manuel Alegre





o que sei de abril em nós


I

não há razões perfeitas nem este é um mundo completo
desconheço amor onde o afecto igualmente se mantenha
nem sei de horários sempre desejáveis

o que sei é um saber de coisas por saber lançadas na minha
descoberta

por isso hoje em abril na escola alfredo da silva
com a arma das palavras e o sentido da cantiga
recordo o tempo em que esperava ver surgir esta nação

II

viemos expor-nos nas palavras e traçar o quadro do percurso
meteoritos descendo sobre a terra e produzindo rápida claridade
viemos de passagem falámos da viagem

nem todas as fontes iniciam rios mas todos os rios nascem de uma
fonte
importante é que deixem no seu rasto de águas renovadas
o caminho vegetal da alegria

assim em abril as coisas acontecem além das intenções e
pensar que é possível parar o movimento é como
tapar com panos pretos as janelas
para cortar o dia

que a revolução é sentimento de mudança
há muito arquitectada no coração das gentes
mais que um corpo é paixão
mais descoberta que sempre

quero dizer
fazer a revolução é diferente de criar uma liturgia

que em abril semente de actos novos em campos de imprevisto
não se admitem tréguas nem hipóteses
mas um corpo de mulher por sobre as ondas
para o qual as nossas vidas tendem

III

suponhamos que num acaso que nada deve ao acaso
se abriam nas janelas rasgos de verdades e deslumbrados
nos olhos surgia uma cidade que sendo a mesma outra transparecia

pensemos um dia em que por cima do sorriso
os homens prolongassem em festa a primavera que andava recolhida
e súbita rebentasse em seiva de flores
por sobre os aços

imaginemos o momento de tudo ser possível
mesmo a bandeira do vento no rubro da paixão
então

era uma vez um povo com um rio carregado de tristeza
era uma vez uma pátria de marinheiros e sem navios
que plantara uma praia inteirinha de viúvas com olhos de gaivotas
e coração de rocha

era uma vez um povo com a noite sobre a nuca
era uma vez um frio

IV

não há razões perfeitas nem este é um mundo completo
e estamos de passagem
só o povo flui constantemente se conserva e é diferente
nós somos uma parte da viagem
um porto a encontrar

juntos aqui em abril tentemos
o novo passo a dar

outubro 03, 2005

Alberto João

Estar aqui dói-me. E eu estou aqui
Há novecentos anos. Não cresci nem mudei.
Apodreci.
Doem-me as próprias raízes que criei.


Canto Peninsular, O Canto e as Armas, Manuel Alegre


-------O-------



Nunca tive grande simpatia pelo Jorge Coelho. Nem sequer gostei daquela sua frase “quem se mete com o PS leva”, a lembrar putos no recreio da primária. Nunca tive, de facto, grande simpatia pelo Jorge Coelho.

Até ontem!!!!

Regra geral, quando vejo a carantonha do inefável Jardim (Alberto João) de seu nome, sinto uma irresistível punção no dedo especializado em “zapping” e parto velozmente para fora da poluição.

No entanto ontem, e que quem me possa perdoar me perdoe, fiquei, estático, estarrecido, perante um chorrilho de asneiras que o Presidente Alberto, ao que parece sem ter vindo de nenhuma degustação vinícola, vomitava para um mais que inocente microfone.

Dizia ele que não tinha medo nenhum do Dr. Coelho, nem sequer físico, e desafiava-o para ir à Madeira para aprender o que é democracia.

Eu sei que as palavras são “por vezes fontes de mal-entendidos”- (Saint-Exupéry)- mas nem a boca lhe estalou ao proferir semelhante impropério. É que parece que, mais uma vez volto à primária, o Presidente da Madeira usou os meios de comunicação públicos para desafiar o Dr. Coelho para lhe por “cuspinho atrás da orelha”. (Era assim que no meu tempo de criança se fazia ao adversário para mostrar que se lhe era fisicamente superior). É de homem!!!!!

E depois, sabendo que o Dr. Alberto João avisou os municípios, onde o PSD-Madeira não ganhasse, sobre as futuras dificuldades de apoio por parte do poder regional; que é hábil a calar a imprensa local e entra em histeria por não ter o mesmo poder para a imprensa continental; ficamos estupefactos pela sua pretensão de ser formador ou exemplo em matéria de democracia.

O homem não se enxerga mesmo!

Sabendo embora que a ignorância sempre foi arrogante espanta-me que, com tanto desaforo que o senhor já produziu, a Republica assobie para o lado a fazer sempre de contas que não foi nada, de que nada ouviu.

Irra, é de mais. Então não se pode calar a verrina?!