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junho 30, 2007

novas histórias de penélope - telémaco



telémaco a quem atena conduziu
em busca de seu pai
a própria vida
do povo que assumiu

como ulisses
de navio parte em viagem
e sempre pelo tempo ultrapassado
telémaco não viaja em sua rota
é viajado

que busca telémaco
nos caminhos do mar por onde vai

nem ele sabe
os fados que pocura
só lhe contaram
que além da zona escura
o sol aparecerá
um destes dias

é por isso
que sem busca
telémaco
não havia

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junho 29, 2007

novas histórias de penélope - circe



I

sob o olhar de circe
a desmedida
ulisses aportou à ilha

ali quis enterrar
tróia destruída
mas sobre o sangue de páris
derramado
por enquanto tróia ardia

os guerreiros em retirada
instantes descobriram
as armas embotadas

ninguém ganhara nada

só tróia no seu fogo
a vida consumia
de helena agrilhoada

no caminho de esparta
presentia
que menelau ansioso
a aguardava
e nunca saberia
que era páris o morto
que ela ainda amava

nos olhos de circe
a sem medida
inútil ulisses tentava adormecer

II

ulisses está parado
olhando a calmaria

que inquietações
lhe nascem nos sentidos

circe perturbada redobra o encantamento
e o seu vestido
semeando campos de luar
tranforma toda a ilha
num infinito rio de navegar

ulisses em movimento
parado junto à praia
faz viagens ao redor
da sua saia

III

mas se ulisses acorda
e se esvanece a ilusão de marear

nesse dia circe
a esquecida
não vai tecer cadeias
no olhar

ficará circe
convertida
na felicidade
de o saber de novo livre
nas vastidão do mar

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junho 28, 2007

novas histórias de penélope - a sereia



(imagem http://www.rafaeltrelles.com/espanol/obras1977.html)



está quebrado o mastro
e as cordas deslaçadas
jaz a nave sob espuma
naufragada

quando doente de sonho adormeceu
a locura dos deuses recebeu

está quebrado o mastro
ao longe os companheiros
numa jangada

a voz de lorelei
está embargada
pela força com que ulisses se espanta
de a sereia abraçar
enquanto canta

está quebrado o mastro
mas na vela a viagem continua
na imagem do seu rastro

as vagas
ulisses no sonho inquietaram
e as algas
todo o sonho devoraram

para não retorno
ulisses as cordas deslaçou
e no palor da alva estremunhada
com lorelei dançou

mas de repente
enquanto a sereia canta
por si só ulisses se levanta

nos seus ouvidos ruge a primavera
soltam-se dos cantos as seduções
o silêncio é um hino
as multidões
reparam nas estrelas

ulisses é a força
a viagem
a aventura

o mito do regresso
é a textura
que faz de ulisses
meu irmão

os cantos das sereias
muitos são
mas por mais braços
nos cinjam a cintura
partiremos sempre
à procura
dessa penélope
que espera em vão

ulisses por si só
do abraço se levanta
a seus pés
a sereia já não canta

como um sorriso do céu
a nova lua cheia
nos encanta

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junho 27, 2007

novas histórias de penélope - o aviso a ulisses



foram as vagas quem lhe transmitiram
a infausta notícia
a queda da mulher

em ulisses o altar da diferença
derruiu
e pensou nela
como uma qualquer

nesse momento circe enloqueceu
ao pensar que ulisses se perdera
e nos seus olhos finalmente se espelhou
um céu onde azuis
se relectiam as esperas

as vagas
que de ítaca vinham desvairadas
cavalgavam ventos
e normas estropiadas

só ulisses navegava a aventura
porque a ilha onde a queda se plasmava
assentava arraiais noutras funduras

confirmou-lhe uma ave
que penélope
noutras águas hoje navegava

que o seu leito estava apodrecido
pela distância da saudade e que a ternura
que hoje nele de novo se gerava
não era de penélope outra coisa
que homenagem ao seu amado
que nunca mais chegava

então ulisses tristemente adormeceu
e pelo sonho
noutro corpo
penélope o recebeu

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junho 26, 2007

novas histórias de penélope - a queda de penélope


(imagem aspirinab.weblog.com.pt)



penélope à partida
tem um pretendente

penélope de esperar
está doente

já na praia cansou
o seu olhar
já na teia
a trama emeudeceu
perante o ressoar d'outras sereias

penélope pelas veias
sente o sangue arder em correrias

a penélope só ulisses serviria
só de ele ela gostaria
continuar esta espera angustiada

mas penélope olha o mar
e não vê nada

surge então uma grande
frustração
que gela o coração de toda
a gente

e penélope - não esqueçam
tem um pretendente

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junho 25, 2007

novas histórias de penélope - helena



ouvira já falar de helena
e cada vez que a palavra pressentia
ficava mais pequena
pensava que ulisses assediando-a
não poderia escapar
ao seu assédio

penélope em ítaca
temia tróia
e morria de tédio

diziam que era a mais bela das morenas
que a mente dos homens ensandecia
e que os reis lhe dedicavam novenas
como aos deuses se fazia

helena de penélope não sabia
nem em ulisses reconhecia o viajante
pequeno rei de povo ignorado
só sabia de páris que de rompante
o rapto em amor tinha tornado

seráfica helena aguarda o seu destino
enquanto agamémnon por sobre o vento
numa magia feita desatino
procura transformar em forma o tempo

penélope
só sabia de helena
ser ela até falada
por atena

por isso estremecia
no seu leito
e se abraçava
ao corpo contrafeito
à ausência
do chamado

nas ameias
helena aguarda
o cavalo do destino
e a morte
do amado

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junho 24, 2007

novas histórias de penélope - primeiro choro de penélope



é aos deuses que dirijo
esta imprecação
aos deuses que cruéis e desumanos
beijam na boca
o sonho dos mortais

ainda a clepsidra não rodou
e já as velas difusas
no horizonte se fundem

a sibila murmura palavras
que não me iludem

que no meu choro pressinto
muro de tróia a arder
o tempo deste absinto
feito fruto de sofrer

sou penélope
a que espera dos deuses
consolação
na trama do meu regaço
guardo o futuro
da nação

e sou mulher nesta espera
do tempo que for capaz
que o peso que em mim carrego
só nasça se for rapaz

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junho 23, 2007

novas histórias de penélope - a partida



hoje tudo é necessário
porque um barco partiu

das palavras
não lhe disse
"meu amor"

e penélope... sorriu

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junho 22, 2007

novas histórias de penélope - despedida



serei breve tu sabes
a partida é só prenúncio
de chegada
como a noite anuncia
a alvorada
e o ninho nos diz
que a primavera
vem chegando renovada

em tróia uma nova lua
espera o momento
de a desvendar
é este mulher um encontro
a que não posso faltar

serei breve
porque breve é a vida
e curto o espaço do vivido
é na ausência
que começa a festa
do regresso acontecido

serei amiga breve
aquece o coração
que voltarei com as naves do inverno
roxo de frio e emoção

o teu calor abrigará o meu navio

mas agora tenho de partir
diz-me o coração
amiga... o teu corpo
é o meu timão

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junho 18, 2007

A côncava funda




Pensei chamar a esta crónica o “ovo da serpente”. O título convinha-me porque, sendo bebido no filme de Ingmar Bergman, de 1977, era ponto de partida para a ideia da criação de um monstro, o qual, de forma pretendida e dissimulada, ou apenas por mera distracção ou incapacidade governativa, haveria de levar o país a uma difícil situação social ou, no caso do filme, o mundo à quase destruição pelo ideário nazi. No entanto, uma pequena pesquisa na Internet veio mostrar-me como esta minha brilhante ideia já tinha sido tida e usado, pelo menos, por cinquenta mil e dois outros autores. Assim, lá me fui à procura de título sugestivo, menos usado e que simbolicamente remetesse para o meu objectivo.

Encontrei-o no poema do Fausto, “Por este rio acima”, que em parte transcrevo:


“Por este rio acima
Deixando para trás
A côncava funda
Da casa do fumo
Cheguei perto do sonho…”

Ora o terceiro e quarto versos da canção serviam perfeitamente para representar o local inominável onde, por ocorrências várias, no cenário nacional e internacional, me vou sentindo. Porque as questões internacionais são demasiado vastas para inscrever numa simples crónica, estreitando o campo, falarei da côncava funda da casa do fumo nacional. Para estabelecer a necessária ligação, referir-me-ei, ainda que em breves traços, à circunstância onde, na Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, aparece a alegoria.

Então, lá vamos!

Andava, por essas épocas, Fernão Mendes Pinto viajando por terras do Japão. Em Fuchéu travou conhecimento com o rei a quem tratou de uma grave enfermidade, tornando-se por isso pessoa grada naquela cidade. Caçava de vez em quando rolas, pombos e codornizes com a sua espingarda, maravilha técnica que espantava os locais. O segundo filho do rei, cativado pelas possibilidades da arma insistiu, com apoio do pai, para que Fernão o industriasse no manejo da escopeta. Tentou escapar-se da tarefa o nosso autor, dados os múltiplos perigos que a utilização de tal arma representava, mesmo para o utilizador, desde que não se tivesse aprofundados conhecimentos da tecnologia e processos envolvidos na preparação e execução do tiro. No entanto, dada a insistência, decidiu treinar o príncipe na arte do disparo. No dia aprazado, ainda o português dormia, o príncipe, acompanhado de dois outros jovens, apoderou-se da arma e, macaqueando o que vira fazer a Fernão Mendes Pinto, carregou-a e disparou-a, com o resultado de a fazer rebentar, ferindo-se gravemente.

A primeira reacção dos nipónicos foi a de matar o português. Alguma ponderação levou a que se esperasse para que fosse feito um inquérito para saber se, por detrás deste acontecimento, não haveria o interesse de alguém que tivesse pago a Fernão Mendes Pinto para que fizesse acontecer tal desgraça. No interrogatório é instado a confessar pelo Bonzo nos seguintes moldes “Eu te esconjuro como o filho do Diabo, que és, e culpado neste crime tão grave como os habitadores da casa do fumo metidos na côncava funda do centro da terra, que aqui em voz alta que todos te ouçam, me digas qual foi a causa porque quiseste que a tua espingarda com feitiçarias matasse este inocente menino que todos tínhamos por cabelos da nossa cabeça?” (Peregrinação, Capítulo 136).

Onde é que eu quero chegar, com isto tudo? Perguntarão retoricamente os meus amigos, sabendo de antemão que me vou remeter para a crítica directa e clara à situação vivida em Portugal, neste ano da Graça de 2007 e no segundo ano da governação do Celeste Sócrates.

Os portugueses confiaram e concederam-lhe uma maioria absoluta. Grave erro na minha opinião. Sendo a Democracia a melhor das sempre más formas de governação, dois limites há que se lhe impõem de forma constrangedora. O primeiro é o limite temporal. Juntando-se este com a necessidade de conquistar votos, no curto prazo, tem esta servidão o efeito de dificilmente serem tomadas medidas estruturais, as quais a serem seguidas, só no longo prazo farão sentir os seus benefícios, trazendo para o curto prazo o desagrado e a perda de votos. O Governo Sócrates, inicialmente, parecia inscrever-se no tipo do governo corajoso, capaz de perder no imediato para maior colheita no futuro. Do desengano falarei posteriormente. O segundo limite é o da tão requestada maioria absoluta. Não há partido que a não deseje, nem governo que por ela se não bata denodadamente.

No entanto a maioria absoluta é uma forma subtil de corrupção dos ideais democráticos. A Democracia não é só meter o papelinho na urna e voltar para casa confiando na previdência dos deuses e na bondade dos homens. É um exercício contínuo de cidadania, crítica, propostas e contraditório. Tudo isto fica abalado quando a tão pretendida maioria absoluta é conseguida. Salvo erro, apenas duas vezes – Cavaco Silva e Sócrates – tal foi atingido. Inicialmente saudadas porque aparentemente a ultrapassagem de oposições, pelo superior número de votos no Parlamento, permite fazer a apresentar obra de imediato, traz em si, um gérmen destrutivo, chamado soberba. Era esta a doença dos Césares e Faraós que, perante o enorme poder do Império, enlouqueciam e se faziam considerar divinos, portanto acima de qualquer possibilidade de aceitarem sugestões ou chegarem a consenso com os pobres e diminutos mortais.

Concluo, portanto, que embora possível e constitucional, a maioria absoluta é uma doença da democracia que se não a nega, a debilita profundamente.

Disto temos a prova nas inconsequências e erros deste governo. Apareceu, com entradas de leão, disposto a diminuir o défice, manter os impostos, transportar o país para os níveis de prosperidade da melhor Europa, diminuir o desemprego, actualizar os conhecimentos tecnológicos dos portugueses, resolver o problema da desertificação do interior, etc.,etc. e etc.

Que vemos nós, dois anos passados das miríficas promessas?

Houve um êxito relativo no valor do défice que não compensa a morte das restantes esperanças. Desacreditou-se o Primeiro-ministro pela inversão das promessa e por episódio pouco dignificante de pesporrência social. Na educação, chave para o progresso de qualquer nação, a ministra, assertiva e inconstitucional, abre várias guerras contra os professores, esquecendo-se que não há educação sem educadores motivados e inventa titularidades – que podendo ser discutidas e abertas por soma de méritos – acabam num pântano cargo-administrativo. O ministro Lino afunda-se, com o governo atrás, no pântano da Ota e de afirmativo e prepotente, de um dia para o outro, descobre que enfim a decisão final não é assim tão final ainda. Lobbies que nalgum esconso local se firmam!

Não fica isento de culpas o ministro dos assuntos parlamentares na questão da domesticação dos media. Não era precisos que ele se esforçasse tanto e tão contra o que já foi e já escreveu. Bastava esperar que o movimento de fusões nas empresas jornalísticas e de difusão de som ou imagem prosseguissem paulatinamente o caminho já encetado. Chegaríamos na mesma à voz do dono. Só que a imagem do governo e do ministro não se degradariam tanto. Esforço desatempado e a mais para o domínio de algo que já está a ser dominado. Ah! É verdade! Falta a blogosfera…mas a essa, com algum tempo lá chegaremos também.

E a saúde como está doente! Fecham-se urgências, maternidades, hospitais antes que alternativas válidas sejam postas em campo. Depois é o burburinho que se sabe. As certezas e os recuos. A afirmação e o voltar atrás descredibilizando estudos, soluções e intenções. É o país desertificado a ficar mais deserto. São as populações jovens a fugir para o já muito desequilibrado litoral, são os velhos a ficar, sem condições à espera que a morte os liberte do isolamento. E tudo em nome de uma boa política de desenvolvimento e saúde.

Só não fico por aqui, e já seria demais, porque sinto o país a fechar-se no medo irracional se ver alguém apontado por falar mal do chefe. Voltámos ao pequeno e ignóbil reino das delações e intrigas onde o que conta é o coeficiente de dobragem de espinha e não a inteireza, livre e responsável, de um cidadão consciente e orgulhoso de ter direitos porque cumpriu cabalmente os seus deveres.

Estas são, entre muitas outras, as razões da minha vil tristeza, por sentir como me embarco e sou arrastado, contra vontade, para a côncava funda da casa do fumo.

É por isso, por longa que vá a palinódia, que não deixarei de citar António Gedeão, em excertos do seu poema Galileo, para que “quem tiver olhos que veja, quem tiver ouvidos que ouça”:

(…)“E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal e qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.(…)

(…)Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.

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junho 08, 2007

ode para um zé pires qualquer (poema)





nasci lá nos barrocais
e o mê nome é zé pires
fui pastor e fui ganhão
palmilhei o alentejo
botei filhos em mulheres
e nos alcanchais perdi
noutes fugindo da lei

era eu mui novo então

mondava os campos de trigo
pruma jorna de miséria

quando o galo do ti pedro
adregava amanhecer
já me pusera à margia
qu’era longe o mê patrão

lá pró meio do caminho
encontrava a rosa amado
-uma poldra redondinha -
que se mordia aluada
e comigo chafurdou
nos lamaçais da herdade

pus-lhes os tampos numa fona
e a melra pôs-se a bradar
qu’eu a tinha desgraçado

vai daí o velho amado
-que m’engula o inferno
s’isto que digo é mentira-
agarrou na de dois canos
e antes que lhe aprouvesse
romper-me a pele com ela
botei-lhe as tripas ao sol

e rais parta a minha sorte
mais a minha sevilhana
ele esticou o pernil

prantou-se a justiça a mim
e que remédio senhores
sem arreceber a jorna
com um pão sem conduto
fez-se o zé pires maltês

ninguém chorou qu’eu cá moça
era arranjo que nã tinha
parentes nã conhecia
em riba da porca terra

a nha mãe - que me desseram -
era uma boniteza
tratava do manual
do mê pai silvestre pires

ele qu’era môral
das vacas do unha grande
pra nã pagar o trabalho
-um dia oito mil réis
e azête prá semana-
apalavrou-se com ela

depois dos pregões botados
lá se casaram os dois

veio um padre da cedade
e um coxo sacristão

foi festa rija senhores
o povo sempre a bailar
p’la noute toda adiante

um dia - p’lo s. joão -
chegaram prá acêfa
ratinhos mal-encarados

os patrões - essa canalha -
deu-lhes o faro - a tantos passos
fedia a fome desses beirões -
e vá d’abaxar o preço
com que pagavam ganhões

os homens cá da nha terra
que os têm no lugar
botaram-se a caminho
do monte do unha grande

deitaram palavra rija
que um homem
só s’agacha pra cagar

mas ele largou-lhe os cães
e a guarda qu’é bruta
pra quem nã tem massaroca
prendeu os chefes e deu-les
porrada plo dia inteiro

depois foram pra lisboa
p’ra outra polícia que quis
ca modos fossem polítecos
e os deixou lá dois anos

o mê pai estava com eles

quando voltou p’rá vila
disse-lhe o bento - ó silvestre
um dos ratinhos - daqueles -
armou-te em chavelhudo

foi o mê pai encontrado
na nora velha do pico

é por isso que o zé pires
já nã tem ninguém no mundo

depois d’andar a monte-
prás bandas de montemor -
seis meses e cinco dias
prantei-me a dormir ao sol
debaxo dumas sobrêras

duas pegas estrangeradas
qu’eu enxerguei pela fala
sentaram-se ao pé do zé

eu cá nã nas percebia
dezia a tudo que sim

deram-me galinha e cigarros
e mais outras porcarias
a fome era tão grande
qu’eu tudo botava abaxo

calculem que depois
elas inté me despiram

eram duas e só eu
arrimei-lhe a conta delas

“ nã há nada mais prefêto
do cum homem satesfêto”

foram tempos assentei
os anos iam passando
o corpo já nã queria
passar a noute ó relento

botei o alforge no chão
perguntei ao lagariço
se precisavam dum moço
p’rá altura da debulha

empreguê-me na herdade
arranjei mulher e filhos
e nas noutes de inverno
sentado junto ao madêro
já sonhava ver os netos
em riba dos mês joelhos

mas nesta vida senhores
nã se pode sossegar
mandei prá escola o miúdo
e ele já nã quer parar

se vou dezer ao patrão
co denhero nã m’achega
ele é capaz de largar
os guardas e cães a mim

e lá começa de novo

o gaiato a maltezar
eu em lisboa a penar

a moenga nã tem fim

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junho 05, 2007

Nós e Eles






Nós entramos em casa, ligamos a luz, tomamos um banho quente e vemos o noticiário na TV.
Eles não têm casa ou quando a têm é de cartão, ramos de árvores ou materiais compósitos e pobres; iluminam-se com fogueiras ou velhos candeeiros; percorrem quilómetros para alcançar um ponto de água, quantas vezes insalubre, e são, tantas vezes as personagens e as vítimas dos noticiários que nos entretêm.

Nós temos automóveis potentes que nos transportam, com facilidade, aos locais de trabalho ou aos divertimentos que procuramos. Eles andam a pé e extraem dos seus solos o petróleo que faz andar os nossos carros e morrem em guerras feitas para os expropriar desses combustíveis.

Nós vivemos em democracias e achamos que temos esse direito natural, como se este fosse o estado normal do viver dos homens. Eles não têm quaisquer direitos senão o de penar sob o jugo de qualquer pequeno senhor local, que os utiliza de modo instrumental, para seu benefício imediato e visível e para um distanciado e obscuro interesse das longínquas democracias.

Nós sofremos terrivelmente com o mau funcionamento da nossa rede hospitalar e temos vidas prolongadas; eles morrem novos, e já velhos de míngua, minados por doenças incontáveis e vêem os filhos desaparecer com febres que nos nossos mundos uma aspirina curaria.

Nós vamos ao supermercado comprar produtos de todo o mundo, sempre excessivamente caros, e fazemos várias refeições diárias que comemos, quantas vezes, enfastiados. Eles procuram comida em matas, ribeiros e lixeiras, não sabem quando nem se poderão matar a fome nesse dia, e produzem, por quase nenhum valor, os dispendiosos e desperdiçados produtos que habitualmente consumimos.

Nós temos jardins-de-infância, escolas e programas de reabilitação de dependentes de várias facilidades. Eles vagueiam pelas ruas, roubam, brigam e morrem sob as balas “justiceiras” da polícia, ou qualquer outra força de ordem que nós, para eles, misericordiosamente treinamos e exportamos.

Nós inventámos e receamos a globalização, sentindo que ela põe em perigo a nossa prosperidade. Eles são o motor e os escravos dos nossos empreendedores globalizantes e morrem, de acidentes ou exaustão, nas fábricas deslocalizadas e nas minas sem possibilidades de deslocalização.

Nós embarcamos em cruzeiros de luxo que cruzam o mediterrâneo e demandamos os paraísos artificiais das costa de África. Eles cruzam-se connosco em velhos barcos meio desmantelados buscando, clandestinos, o el-doirado da margem donde nós partimos para férias e morrem na tentativa ou são capturados, desgraçados e famintos, pelas polícias do almejado paraíso.

Nós produzimos e vendemos as armas com que eles se matam para garantirmos o domínio económico dos bens que as suas terras possuem e eles não.

Nós somos inocente ou culpadamente assim e eles são-no, igualmente, mas em muito piores circunstâncias. Por isso, meus senhores o que esperam que venha a acontecer entre nós e eles, senão o mesmo que entre as hordas de bárbaros e o poderoso império romano aconteceu?

As decadências dos impérios têm todas um suave fascínio de queda e entropia!



Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt
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junho 02, 2007

Margarida Morgado – Água Pródiga

Capa: João Moniz



Editado pela associ’arte – Associação de Comunicação e Arte (associ.arte@mail.telepac.pt), de Évora foi lançado no passado dia 28 de Maio, o novo livro da Margarida Morgado, "água pródiga", cuja capaz se reproduz acima.

Prometendo voltar ao livro, para publicar alguns dos seus poemas, ficamos, por agora, pela apresentação feita na badana do volume:

“Margarida Morgado
nasceu em 1932, em Olhão.
Com 2 anos de idade a família muda-se para Évora.
Aqui estuda nas Doroteias
e no Instituto de Economia
e Sociologia de Évora,
onde se licenciou em Sociologia.
Na Bélgica fez a pós-graduação
em Sociologia dos Sistemas
Simbólicos. Foi professora
em Angola, esteve na Alemanha
e em França. Volta a Portugal
no pós 25 de Abril, e empenha-se
de corpo e alma a um país que
sonhou diferente. Trabalhou
na Comissão de Condição Feminina,
durante 15 anos.
A escrita sempre fez parte
da sua vida. Escrita que guardou
nos diários que sempre
a acompanharam e que de vez
em quando dá aos amigos.
Na cidade alentejana que adoptou,
e por quem foi adoptada,
é fácil encontrá-la numa esplanada
de esferográfica em punho
a murmurar para as páginas
em branco o que lhe vai na alma
e no pensamento. Em 2003, reuniu
alguns dos seus poemas e deixou-nos
dar uma espreitadela aos seus
escritos. Soube a pouco e quisemos
mais. “ Água Pródiga” é esse mais
que pedimos e que ela
com o seu carinho, a sua ternura
e o seu amor por todos nós, nos dá!”

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