A Estrada - Poema
E há duzentos quilómetros de morte
Em duzentos quilómetros de terra. (…)
Metralhadoras cantam a canção da guerra.
Metralhadoras cantam, Praça da Canção, Manuel Alegre
a estrada
a estrada é velha, poeirenta, gasta
a estrada que aqui fica e se afasta
a estrada que tem morte e tem tristeza
em cada metro atraiçoa a natureza
a estrada que o é e nada mais
por ser tudo e mesmo ais
a coluna partiu às sete horas
- era para partir às seis
mas há sempre estas demoras
em cada carro os olhos esbraseiam
em cada curva os medos incendeiam
os homens olham, os homens sonham, os homens morrem
há os que choram, os que gritam, os que correm
foi tudo tão súbito como o inesperado
um tiro que partiu, o zé ensanguentado
porra! jesus! Uma blasfémia e uma oração
filhos da puta! se os apanho! não! não!! não!!!
socorrei-me senhor! ave maria!
que mal fiz eu?! - entretanto o zé morria
a pensar na mãe, na maria e naquela noite de amor-
ao seu lado, um incógnito manuel, que fora professor
é um anjo louco a distribuir morte
que se lixe! aqui, o que é preciso é sorte
e cospe para o lado e pensa na paz
há pouco caiu também o vaz
tem a cara desfeita e um braço fora
que interessa, chegara a sua hora
o lopes chora de medo encostado a uma palmeira
bateram duas balas mesmo ali, à sua beira
e nem sequer se mexeu
( nunca se mexe e ainda não morreu )
cuidado! aí vem a morteirada
( três segundos de incerteza...
... e não foi nada )
olhe furriel! está um naquela palmeira
vá abaixo! tratem-lhe da pasmaceira
e três espingardas mal-intencionadas
vão deixar a pele negra, avermelhada
este foi um recontro à hora do sol-pôr
- à hora a que dantes fazíamos amor
a quatro mil quilómetros de distância
a mais de uma centena de horas d’ânsia -
no dia sem amanhã, sem até logo, eternidade
do dia sempre igual e sem idade
à hora do sol sentir a dor que é minha
a estrada lá está e lá caminha
que a morte tem mil cheiros
sob a fronde verdosa dos mangueiros
Sem comentários:
Enviar um comentário