fobos (poema)
(Ilustração de Pedro Correia)
I
vinha falar do homem
signo completo a decifrar
primeiro absorve-se o
corpo os actos os fatos
pode mesmo achar-se a dominante
no corte do cabelo
na linha da boca ou
no particularíssimo modo de
estender o passo
entretece-se depois o jogo mais
perverso e subtil
do significado
produção pretensamente espontânea
transferência de gestos e semi-sorrisos
nos jogos das falas
impossível trazer à tona
todo o conhecido
II
entenda-se o homem como uma
fita vermelha embebida de azul
longe do patriotismo médio
denotação de razões
desconhecidas
jogos malabares
com que me divirto a
enxamear o papel de
situações
escuta o abismo da palavra
as palavras respiram
têm substância estalam
obscuras e viscosas e doem
irrecusáveis e ditas
as palavras são
agonias suculentas
revolvem doeres e
perceptíveis incrustam-se
nos cegos olhos das palavras
tenho um novo carregamento
por partir
abram as portas à partirnidade
III
e esta hem
esta metafísica do dizer
esta filosofia do como se diz
o porquê mais conseguido
tudo porque um homem
é o signo do seu signo universal
explicando
um homem passa do ser
à qualidade
em pura imagem se crê
plasma-se
sem contornos
na tela
é plano como o advérbio
que tanta força dá ao que se diz
verdadeira a mente
é lugar onde
se passam muitas coisas que só passam
em absoluto
ali
IV
divirto-me com o jogo
digo
com a vida
o dramático silêncio assusta-se
nas respostas
a canção chama a canção
e esses por vezes letárgicos olhos
do meu amor
respiram nas palavras
das palavras
os barcos são ainda
as catedrais onde se reza ao mar
responde o sol sobre as casas
reconstruí o molhe e o trenó
parado sobre a neve
o jogo pode regressar
V
no papel suburbano de tornear
as fronteiras do mundo
temos o teatro
de novo o jogo
cristo andou por aqui aos caídos
sem perceber o sarilho em que nos
metia
tudo na melhor das intenções
lixou-nos pronto
a malta agora que se aguente
carregue a cruz e vote tacticamente
no partido errado de todas as eleições
eu sou um cidadão cumpridor
vou ali já venho e se puder
não regresso
pois pois o sagrado amor a esta
vidinha parva a deontologia retrospectiva e católica
apesar das esfusiantes negações
platão é que a sabia toda
e não queria poetas na républica
ouve
se me deixares embarcar na utopia
fecho num cofre de banco
a multinacional da poesia
e
vou mentir contigo
a alegria maldita de não ter
que dizer e descansar
na mediocre felicidade actual
porém escuta
o homem é um signo completo
VI
nas órbitas de marte
sócrates espera-nos
na torre da cicuta
3 comentários:
...tal pai tal filho, outra vez.já agora e para abandalhar a seriedade do poema, não podias mudar o final para "sócrates espeta-nos da torre de cicuta ?
kira
(deve aparecer anónimo porque esqueci, e por isso ando à nora, a senha)
Penso que seria um belo final. Só que o fenómeno seria - epero - de curta duração. O máximo mais um mandato e meio!!! O que é que eu disse? Curta duração?!! Porra!!!
Este mecinho escreve muito bem.
É um bocado hermético, mas apesar de tudo as ideias estão lá e os sentimentos também.
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