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maio 13, 2007

MADDIE/DARFUR






Duas imagens terríveis têm-se sobreposto, durante a semana, na minha mente e causado uma forte descompensação de consciência.

Uma das imagens é a de uma menina loura – agora com quatro anos de idade – bem tratada, revelando amor e desvelos em todas as fotografias que nos foram apresentadas e, entrando fulgurantemente em drama após um rapto acontecido – quanto a nós - em estranhas circunstâncias. Outra é a de uma criança, esquelética, negra, de crânio quase maior que o corpo, expirando sobre o pano azul que cobre a mãe.

Dois destinos trágicos, duas situações paralelas no horror, mas diferentes na expressão.

Ao contrário de Hermes Trimegisto que ensinava que “o que está em cima é igual ao que está em baixo” a informação e a sociedade vieram mostrar-nos coisas bem distintas. Basta que troquemos os termos cima e baixo por longe e perto, por rico e pobre, por europeu ou africano e todos os cenários se alteram, tudo toma valores distintos e nada se assemelha ou equivale.

Correndo o risco de parecer insensível ao drama individual, parece-me ser meu dever, como ser humano, demonstrar que a escala de sofrimento, visibilidade e interesse estão profundamente deslocados nestes dois casos.

Analisemos.

Estando de férias no Algarve, os pais de uma família de nacionalidade inglesa, foram jantar, a um restaurante situado a poucos metros da residência, deixando os filhos a dormir no apartamento. De vinte em vinte minutos – segundo a comunicação social – um dos pais deslocava-se à residência para observar o bem-estar dos filhos. Numa dessas deslocações, um dos progenitores, verificou a ausência da filha mais velha Madeleine, ou como diminutivo Maddie. Foi dado o alarme e imediatamente se mobilizaram meios poderosíssimos para encetar as buscas – infelizmente até agora goradas – da criança desaparecida. Todos conhecemos o circo mediático que se montou, a habitual proficiência e arrogância inglesa que antes de tudo passou um certificado de incapacidade à nossa polícia e, com um vago sentimento de superioridade e ancestral posse, considerou-nos um país atrasado e o acontecido resultado de tal estado civilizacional. Recordar que os raptos de crianças em Inglaterra são bem mais vulgares que em Portugal, foi coisa que não lhes ocorreu. Assim como não pensaram que a sua eficiente polícia não foi capaz de evitar os rebentamentos no Metro e não consegue resolver muitos dos casos de crianças, por lá, desaparecidas ou raptadas.

Ou então para quê recordar o caso do cidadão brasileiro abatido a tiro no metro apenas por ter a pele um pouco mais escura? Ou a criação desse raro fenómeno cultural que dá pelo nome de “hooligans”?

Avançando…

Ao sofrimento indizível destes pais respondeu uma forte comoção e apoios morais e sociais tanto em Portugal, como na Inglaterra. Perdidos na dor única de não saber de um filho, nunca estiveram sozinhos e sempre resta a esperança da resolução positiva do caso.

E no Darfur, a mãe que sente o seu filho morrer que esperanças tem?

Recebi no dia 7 de Maio um e-mail remetido por pessoa amiga, emanado pelo “Collectiff Urgence Darfour”, http://photos.blogger.com/www.europetition-darfour.fr, visando recolher, até 1 de Junho, um milhão de assinaturas para obrigar a ONU a enviar uma força de interposição que evite o genocídio que ali, quase invisivelmente, decorre desde 2003. A enormidade do desastre mede-se nos 400.000 mil mortos e nos 2 milhões de refugiados contados até ao momento.

Mede-se também no desespero da UNICEF que necessitando de 89 milhões de dólares apenas conseguiu 11 milhões e que sem esse dinheiro deixará de imunizar meio milhão de crianças, ficará impossibilitada de fornecer água potável a uma população de cerca de seis milhões de habitantes e assistirá impotente à condenação à morte, pela fome, de muitos outros milhares de crianças perante o impressionante pacto de silêncio que parece ter sido estabelecido entre a imprensa, a televisão e os governos do mundo.

Eu sei que o conflito no Darfur, região situada na parte Ocidental do Sudão, é um caso complicado da geoestratégia do petróleo. Mesmo assim não deixa de ser curioso que o dinheiro que falta para salvar pessoas nunca falte para o aumento contínuo do armamento de origem chinesa e russa que alimenta há anos esta guerra.

É aqui que reside a minha dor de consciência. Não sou desumano, não sei que horrores está a sofrer a pobre Maddie, reconheço, sem qualquer esforço, o tremendo drama dos pais, mas pergunto:

É aqui que deve parar a nossa solidariedade humanitária? “E às crianças” do Darfur, “senhor? Porque lhes dais tanta dor? Porque padecem assim!”





Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt/

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