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novembro 07, 2005

Paris já está a arder?

Não tem sede de aventura
nem quis a terra distante.
A vida o fez viajante.
Se busca terras de França
é que a sorte lhe foi dura
e um homem também se cansa.

Trova do Emigrante, Praça da Canção, Manuel Alegre






Parei de escrever nestes dias, não por falta de motivos a comentar, mas pelo seu excesso. Entre todos dois chamavam, sobretudo, a minha atenção. O manifesto da candidatura de Manuel Alegre, que apoio desde que o mesmo se declarou candidato, e os acontecimentos em França.

Descobri depois, que estes dois temas tinham algo em comum e que mereciam, ainda que breve e superficial, uma análise àquilo que os liga.

O mal-estar que, nos arredores de, Paris produziu os confrontos e incêndios, já não é novo. Muitos casos dispersos, com maior ou menor cobertura dos “media”, foram acontecendo ao longo dos anos. Os sociólogos, desde os anos sessenta, chamam a atenção – com pouco entendimento por parte do poder – para o erro urbanístico e social, que foi/é a concentração de populações de semelhante dominância étnica ou social, em espaços delimitados, com escassos recursos em equipamento e rotulados – e rotulando – negativamente pela sua localização e composição.

O desprezo pelas chamadas de atenção concretiza-se agora nos actos de revolta cega, contra pessoas, instituições e objectos próximos, visando alcançar os inatingíveis e distantes poderes. São dolorosos e doloridos recados.

Agora que a onda rebentou e que a insegurança das pessoas clama por mais polícia nas ruas, a maior parte das gentes está disposta a ceder a sua liberdade por um pouco menos de medo. Não é grande a troca mas é o que se sente no ar.

Dos actos desesperados de uma juventude igualmente desesperada poderão advir consequências trágicas e contrárias, em tudo, aos motivos que os levaram à revolta.

Em primeiro lugar a justificação, plenamente aceite, da redução de direitos e garantias dos cidadãos, em segundo lugar o ainda maior isolamento das populações emigrantes, em terceiro lugar, por reacção, o crescimento contínuo dos partidos de extrema-direita, como o do Sr. LePen, e a possibilidade de, cada vez mais, influenciarem as políticas de emigração e de integração, senão mesmo de ascenderem, de vez, ao poder de Estado.

Tem, neste momento, pouco efeito o discurso de compreensão sobre as causas da revolta juvenil. Esse discurso é apenas realizável antecipadamente ou a longo prazo. A curto prazo as políticas repressivas serão as únicas actuantes e creio bem, já estarão a ser, não estudadas, mas implementadas, com consequências nefastas, para a França, para o Mundo e para os migrantes que se acumulam às portas da Europa.

E onde entra neste cenário a candidatura de Manuel Alegre?

Ouvi, ontem, no comentário semanal do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa o seu discurso de tranquilidade em relação ao possível contágio destes actos no espaço nacional.

Acho que está rotundamente enganado!

Se em alguma coisa este movimento de rebeldia tem semelhanças com o Maio de 68, é nas possibilidades de contágio, por vivências semelhantes, noutros países da Europa, o nosso compreendido. Para os distraídos chamo a atenção para os bairros degradados das nossas maiores cidades e para a sua cintura industrial, onde as existem todas as condições que levaram aos distúrbios em França, esperando apenas a faúlha que as faça eclodir. O efeito mimético não será , certamente, a menor …

Já disse atrás que os remédios, para fazer efeito, têm de ser administrados em tempo certo. Não sei, ainda nem já, qual é o tempo que nos resta. O que sei é que com as políticas escolares, sociais e económicas que continuamos a alardear apenas conseguimos aceleradores para a desgraça.

Sabendo, embora, que os poderes presidenciais não se confundem com os executivos, muito profundamente creio, que medidas apontadas pelo nosso candidato no seu Manifesto, podem reequilibrar os termos da equação social em que nos vamos mexendo.

A continuar deste jeito, pensando que somos diferente, que aqui, porventura graças à Senhora, as mesmas causas sociais produzirão efeitos atenuados ou diferentes, é olhar para a onda e esperar, sem aprender a nadar, que ela não nos submerja.

O programa para a presidência, de Manuel Alegre é, entre os presentes, o que melhor poderá, através da assumpção de valores éticos, influenciadores de políticas sócios-económicas redistribuidoras, constituir-se em travão para o deslizamento caótico desta sociedade de tão injustas in/diferenças.

Se continuarmos pelo caminho que estamos a trilhar, não se admirem depois, se de súbito, numa destas noites, o vosso bairro acordar no meio do clarão do vosso carro a arder…

Não me venham depois chamar Cassandra ou profeta da desgraça.

1 comentário:

Unknown disse...

Um amigo meu disse que barricadas em Paris é uma coisa natural. Nem se deve pensar Paris, sem barricadas.