Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-Noncommercial-No Derivative Works 2.5 Portugal License.

novembro 15, 2005

Dormir descansado

Por isso a ironia em relação à mudança do seu próprio estatuto: de ex-exilado a Presidente da Republica, ontem mais ou menos tolerado, agora convidado de honra do Presidente da França. Não, o Hotel de Saint-Pierre não estava diferente, a História é que tinha dado uma volta. E ele? E eu? Permaneceríamos idênticos?

Arte da política ou retrato de Mário enquanto Mário, Arte da Marear, Manuel Alegre





1 – Ena! O que para aí vai de confusão. Desde o candidato Jerónimo de Sousa, passando pelos jornais e com grande estadão em muitos blogues, há um mar encrespado de críticas a Manuel Alegre porque, calculem, perguntado sobre o que se passaria se Cavaco Silva ganhasse as eleições ele teve a ousadia de dizer que “dormiria descansado”.

Como, por muito que a hipótese de tal vitória me desagrade e contrarie, eu, pensando também que não iria recorrer a soporíferos para conciliar o meu merecido descanso de cada noite (nos dai hoje), embasbaquei!

Talvez por Manuel Alegre ser um escritor, faltando aos oponentes argumentos para atacar o melhor dos manifestos de candidatura presidencial apresentados, muita gente decidiu enveredar pela descoberta de duvidosos sentidos em algumas palavras usadas pelo candidato. Temos assim a perplexidade pelo uso aberto e sem timidez da palavra Pátria, e mais recentemente o “dormir descansado”.

Que me perdoem se estou enganado mas, parece-me, existir uma constituição que, cumpridas algumas condições, permite a qualquer cidadão candidatar-se a Presidente da Republica para que os eleitores, todos nós, através do voto, avaliem a aceitação e bondade de cada candidatura, concedendo-lhe, ou negando-lhe, o direito ao lugar pretendido. O regime em que vivemos consente também uma grande liberdade na apresentação de ideologias e propostas. Assim sendo, se os eleitores preferirem o Dr. Cavaco a qualquer outro candidato, poderá ficar em causa a minha perspectiva política e o meu projecto – que, evidentemente, eu considero os melhores – mas não estarão em causa valores essenciais da democracia.

Como já afirmei não sou adepto da visão sociopolítica do candidato da direita mas, não vou por isso considerar que a eleição dessa pessoa é um perigoso para a democracia, tal como não o seria a vitória de qualquer outro legitimo candidato, considerando apenas que o projecto que defendo não conseguiu passar a sua mensagem convenientemente, ou que, tão-somente, no momento, não seria o preferido pela maioria dos eleitores.

Simples mentalidade democrática…

Considero, pois, que ao fazer a afirmação que fez, o Dr. Manuel Alegre, apresentou uma profissão de fé nos valores democráticos, por si defendidos longo da vida, o que só o enobrece e me diz estar certo no candidato porque, tendo como natural objectivo alcançar a vitória, reconhece os direitos dos outros e mesmo contra si os defende.

Assim todos procedessem com ele.

2 – Depois do debate de ontem na RTP1 - Prós e Contras – os portugueses podem dormir mais descansados. A nossa proverbial e consabida diferença, em termos de aceitação do outro, vai proteger-nos contra os males da xenofobia e da não integração de imigrantes. Não importa que vivam em bairros degradados, sem condições de vida condignas, despossuídos de trabalho e perspectivas, porque, o nosso génio nacional, a nossa proverbial lhaneza de sentimentos cá estarão, a sobrepor-se aos factos sociais e económicos, com acrescidas vantagens.
Ainda bem que é assim… No entanto, porque é que eu não fico sossegado? Porque é que me inquieta a tão grande desigualdade existente na nossa sociedade? Porque é que me parece que não há evidentes elementos integradores a securizar a vida das nossas cidades?

Se calhar é porque, não há muitos anos ainda, quando frequentava um mestrado com estudantes dos PALOP, falando com um deles sobre a existência de racismo declarado na sociedade portuguesa, ele, que era um falante escorreito de português, dizia-me que sempre que tentava alugar um quarto – pelo telefone – estava tudo bem, mas, quando chegava às casas e os alugadores viam o seu tom de pele, o quarto já estava sempre ocupado…

…e ontem no citado programa – que confesso não vi de início e não sei se foi dada alguma explicação para o facto – para tratar de assuntos relacionados com migrantes, ao contrário do habitual, não vi na mesa de debate, nem nos interpelados da plateia, nenhum membro, ou representante, dessas minorias nem das suas associações. E vi e ouvi, isso sim, quando um dos intervenientes, exemplificando, usou a expressão “vão para as vossas terras” um salva de palmas e um sussurro de aprovação vindo da plateia.

Por isto, é que não posso dormir descansado.

2 comentários:

Unknown disse...

Faz-me lembrar um dia 1º de Maio, há umas dezenas de anos, quanto a RTP convidou vários "especialistas do mundo do trabalho", para um debate televisivo. Eram dois doutores, dois engenheiros, um padre,... Tudo gente especializada em "trabalho".

Carlos Correia disse...

Ficou-me na lembrança esse colóquio, não pela sua validade - igual a tantoa outros, mas pelo comentário que então proferiste e agora retomas.

Embora a contra-gosto tenh que reconhecer que és um tipo esperto e com sentido crítico e de oportunidade.

Enfim, malhas que o império tece e, mesmo sem querermos, nos enredam e não nos conseguimos desenvencilhar.

Um dia será melhor!