Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-Noncommercial-No Derivative Works 2.5 Portugal License.

fevereiro 19, 2006

Luz (Poema)

I
Da explosão dos dias
em fulgor rubro
te falo eu
na curva verde da distância.

O tempo parou-te
no umbral.
A fenda clara
entrava mansamente
no obscuro domínio.

Serena
dormia a casa.
Só tu de olhos
claros de luz
colhias a manhã inicial.

Parada na porta.
Mãos num gesto
de abraço,
ouvindo a melodia da luz
tu bailavas ...
quieta!

Um pé teu avançou súbito
para o azul do voo.
Mas recolheste,
o movimento
ainda com o corpo quente
da matinal luminosidade.
II
Encostas a porta.
Do jardim,
chega-te o trinado dos melros.
Sentes intenso o aroma das violetas.
Por isso, fechas a porta
e devolves-te à sombra.

Por ela te moves
com a elegância
segura e sinuosa
dos cegos.

Ecoa no teu corpo
a memória do fulgor.

Pegas na rotina espalhada
pela cozinha
e vais ordenando aquele mundo:
as torradas para os miúdos,
o chocolate,
o sumo para o Zé-Tó ...
e o aroma mágico do café,
eficaz mensageiro
que envias pela casa.

Confirmas ... – as cortinas estão
corridas!
São azuis e deixam-te uma nesga de horizonte,
por onde teimosa
entra a luz melodiosa.



Saltam enérgicas as torradas!
Fazes correr a manteiga pelo dorso do pão quente!
E no centro da mesa,
ternamente dispões
a fruta vermelha .

Ao lado, no tabuleiro
as chávenas para o café.
Duas.
Brancas. Com um pássaro
azul,
em voo.

Esquecida da rua
admiras o quadro composto...
Perfeito!
Nos tons,
na harmonia entre as coisas.
Nada esquecido. Nem o pannier de linho cru.

Levantas-te precipitadamente:
as cascas de laranja
perturbam-te.
A faca tombada na bancada
como gente sem rumo
arrepia-te.

Arrumas tudo.
Estirada na cadeira
lanças um olhar pela mesa
– podia ser uma bela natureza morta! – pensas.



Depois, esperas ...
mordiscando uma torrada distraída.
O café esquecido
arrefece na chávena.

Por isso te lembro
a negada explosão dos dias
rubros,
únicos.

A luz baça
azulada
alastra-se pela cozinha
embalando-te na espera.

A quietude da casa
permanece
intacta.

É nesse instante,
que fechas os olhos,
e percorrendo sôfrega
a sombra
entregas o teu corpo
ao transe da luz amanhecida.

1 comentário:

Sonecas disse...

Olá. Sou do barreiro e estou a tentar criar uma comunidade de Blogs cá da terra. Tipo uma lista telefónica onde possamos encontrar todos os nossos bloguistas e onde todos possam escrever artigos de opinião. Adorei o vosso blog. acho que está excelente. Vou-vos linkar lá, ok?
Visitem-nos em www.ocamarro.blogspot.com