Luz (Poema)
I
Da explosão dos dias
em fulgor rubro
te falo eu
na curva verde da distância.
O tempo parou-te
no umbral.
A fenda clara
entrava mansamente
no obscuro domínio.
Serena
dormia a casa.
Só tu de olhos
claros de luz
colhias a manhã inicial.
Parada na porta.
Mãos num gesto
de abraço,
ouvindo a melodia da luz
tu bailavas ...
quieta!
Um pé teu avançou súbito
para o azul do voo.
Mas recolheste,
o movimento
ainda com o corpo quente
da matinal luminosidade.
II
Encostas a porta.
Do jardim,
chega-te o trinado dos melros.
Sentes intenso o aroma das violetas.
Por isso, fechas a porta
e devolves-te à sombra.
Por ela te moves
com a elegância
segura e sinuosa
dos cegos.
Ecoa no teu corpo
a memória do fulgor.
Pegas na rotina espalhada
pela cozinha
e vais ordenando aquele mundo:
as torradas para os miúdos,
o chocolate,
o sumo para o Zé-Tó ...
e o aroma mágico do café,
eficaz mensageiro
que envias pela casa.
Confirmas ... – as cortinas estão
corridas!
São azuis e deixam-te uma nesga de horizonte,
por onde teimosa
entra a luz melodiosa.
Saltam enérgicas as torradas!
Fazes correr a manteiga pelo dorso do pão quente!
E no centro da mesa,
ternamente dispões
a fruta vermelha .
Ao lado, no tabuleiro
as chávenas para o café.
Duas.
Brancas. Com um pássaro
azul,
em voo.
Esquecida da rua
admiras o quadro composto...
Perfeito!
Nos tons,
na harmonia entre as coisas.
Nada esquecido. Nem o pannier de linho cru.
Levantas-te precipitadamente:
as cascas de laranja
perturbam-te.
A faca tombada na bancada
como gente sem rumo
arrepia-te.
Arrumas tudo.
Estirada na cadeira
lanças um olhar pela mesa
– podia ser uma bela natureza morta! – pensas.
Depois, esperas ...
mordiscando uma torrada distraída.
O café esquecido
arrefece na chávena.
Por isso te lembro
a negada explosão dos dias
rubros,
únicos.
A luz baça
azulada
alastra-se pela cozinha
embalando-te na espera.
A quietude da casa
permanece
intacta.
É nesse instante,
que fechas os olhos,
e percorrendo sôfrega
a sombra
entregas o teu corpo
ao transe da luz amanhecida.
1 comentário:
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