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fevereiro 04, 2006

Hábitos Sociais

Os hábitos culturais são coisas insidiosas. Tanto nos facilitam a vida em comunidade, como nos precipitam em atitudes perigosas e irracionais. Para alguém que viva integrado numa determinada cultura, o particular modo de pensar e agir desse grupo aparece como “natural” excluindo todos os outros os quais serão considerados, no mínimo, como insensatos.

Tomado este postulado duas situações apareceram esta semana suscitando a minha atenção. A primeira é sobre o casamento de homossexuais e a segunda sobre as caricaturas de Maomé.

1 – Casamento de Homossexuais

Duas mulheres expuseram a sua vida comum reclamando, sobre o direito constitucional à não descriminação, o direito ao seu casamento.

Explodiram apoios e ataques e a sociedade, como é caso comum, dividiu-se nas suas posições. Em fóruns e debates assistimos ao apoio, compreensão e ataques ferozes contra o desejo destas duas senhoras e, para lá delas, à pretensão genérica de casais do mesmo sexo verem reconhecidos os seus direitos a comunhão de casa, cama e mesa.

No entanto, tal como no caso da despenalização do aborto, as posições de defensores e atacantes não são simétricas.

De facto, quem defende o direito ao casamento, ou qualquer outro instituto de reconhecimento, entre homossexuais - vendo aceite a sua tese - não obriga ninguém a seguir esse caminho. No caso contrário uma parte da população pretende coagir os outros a pensar e agir como eles próprios. Isto é, elevam a sua particular visão do mundo a um imperativo universal. O que sobre esta posição se pode dizer é que, no mínimo, não é nada democrática.

Depois, perorou-se imenso sobre o casamento e a família, como se fossem coisas naturais, sempre as mesmas, com forma fixada no tempo. Pura ilusão. As famílias são agrupamentos humanos que visam, mais que a reprodução, a ordenação e defesa de territórios e a sucessão de bens. Na sua forma comum são institutos legais.

Ora todos os institutos obedecem a um dado estado da sociedade e são alterados, para simplificar, quando esse estado muda. Nada de natureza e eternidade, portanto!

Mas, a família é também um local de partilhas e afectos. Então, se casamento não é só procriação e sucessão e se privilegiarmos os sentimentos os que faltará a estas díades para terem o reconhecimento legal da sua escolha?

A separação de um ser amado causa angústia, dor e saudade a qualquer ser humano. Seja mulher ou homem, sejam hetero, homo ou bissexual. O amor procura a luz das aceitações. Negá-las é produzir infelicidade. Vamos ignorar que milhares de cidadãos têm escolhas sexuais alternativas e obrigá-los a uma permanente clandestinidade? Não me parece que, para bem de todos, essa seja uma opção aceitável e inteligente. Vamos viver e deixar viver!

2 – Caricaturas de Maomé

A tradição islâmica não permite a representação gráfica da figura de Maomé. É uma opção, é um dogma, é um direito. Portanto, que os seguidores desse credo o cumpram e vivam com esta prescrição. A cultura dominante no Ocidente é pictural, representativa e antropomórfica. Esta é uma diferença substancial. Somos também laicos e a separação de poderes, bem como a liberdade de expressão, são valores predominantes e conseguidos após árduas lutas. Por isso deveremos conservá-los e pugnar por eles sempre que sejam atacados. Tal como está a acontecer.

Pode não ser de bom gosto a publicação de um “cartoon” que afronte a religião de alguém. Esse alguém tem todo o direito de se sentir incomodado ou ofendido e de o demonstrar de forma razoável. Manifestando-se, por exemplo, ou recorrendo a tribunal. Não tem é o direito à agressão e destruição e muito menos a coarctar o direito de outrem à manifestação de posições diferentes. Não tem o direito de determinar como é que eu vou viver, como me vou comportar e sobretudo de vir ditar ordens em minha casa.

Alguém está a exagerar e a criar um clima inquisitório no mundo. É excessivo e inadmissível. Bem ou mal o que está publicado está e foi decisão assente em modos de vivência que são os nossos. Que devemos defender. Quem não gostar que não os use, mas mande na sua casa e não na nossa.

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