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janeiro 05, 2011

O “Arrelia”



Sinto-me vazio. Estou desinteressado! Não me apetece ouvir debates nem declarações de presidenciáveis. Vai por aqui um tempo que não é morno por demais ter arrefecido nas fraquérrimas prestações desta democracia de pacotilha onde é sempre possível entalar mais o povo e se encontram, permanentemente, boas justificações para que, os mesmos de sempre, continuem a enriquecer e a viver, cada vez mais, num Olimpo a que só eles podem aceder.

Perante isto e não só, o Presidente da República é uma irrelevância. Não existe! Formatado como pura insignificância no fascismo, foi confirmado nesse estatuto pela democracia. O seu poder é quase nulo. Vale o que valer o homem que ocupa o lugar. É uma daquelas situações onde é o homem que faz o posto. É uma anti-instituição.

Houve um tempo em que lhe era destinado o fatigante trabalho de cortar fitas e beijocar criancinhas. A democracia esvaziou-lhe a função. Hoje até o presidente da junta inaugura e beijoca. Perdeu o cargo sentido mas mantém-se o ritual por mais vazio e inócuo que seja. O seu poder é o de não ter poderes. Vive do discurso mesmo quando cala. Mas se não fala não vive. Feroz contradição que o faz silenciar quando devia falar e discursar em tempo de contenção de voz. Se andam a cortar nas despesas porque não cortam de vez esta despesa supérflua? Ah! Pois, e onde iriam por os políticos de nomeada em fim de carreira? Não há Administrações de grandes empresas que cheguem para todos. Há que manter alguns, mesmo que a encanar a perna à rã, no aparelho de Estado. Sempre hão de servir para alguma coisa. Quando não mais para dar credibilidade ao discurso hipócrita dos que, mamando, acusam os que vivem no limite da pobreza de viverem acima das suas possibilidades. É aceitável um discurso, vagamente crítico e sem eficácia executiva, que pareça contrariar as mais dolorosas decisões. Para as quais é precisa a coragem de as aplicar apenas aos outros, ficando, sempre de fora, os nossos. Chama-se a isto equidade governativa.

Os nossos presidentes só têm existência na medida em que forem do contra. Dizem que é para maior equilíbrio da coisa pública. Mas que equilíbrio se consegue quando num prato da balança está todo o poder da governança e no outro o hidrogénio de um balão inflado? Pode dissolver a Assembleia! Pode, claro que pode! E depois? Ou faz eleições ou nomeia. De qualquer modo as suas maiores possibilidades são as de se ter tramado e, ao mesmo tempo, não ter resolvido coisa nenhuma. Se vai a eleições e ganham os mesmos enfraquece e terá de demitir-se. Se ganha quem ele espera não só perde a relevância – porque não esqueçam o seu verdadeiro poder é o de contradizer, o de arreliar – e fica indissoluvelmente ligado aos inêxitos do governo que (por eleições ou nomeação) patrocinou. Se o governo cambalhotar lá vai o Presidente de empurrão! Inequívoca beleza da inutilidade!

Apesar de tudo, todos os cinco anos, meia dúzia de circunspectos cidadãos afrontam-se intrépidos nas arenas e desfilam intenções e programas que nem lhes pertencem e bem sabem não poder cumprir. O que os faz exporem-se assim? Problema de habitação resolvido por dez anos? Doce passagem do tempo de congelamento da reforma? Vaidadezinha inconsútil a espreitar sem vergonha do âmago da proclamada modéstia? Saudades de um rei, ainda absoluto, fazendo herdeiros e cortesãos duma mesma penada? Oh, vã glória de mandar, oh, vã cobiça… !

Andam por aí, agora, de novo, a tal meia dúzia de citadinos a mercadejar votos. Para não fazerem o que prometem, prometendo o que não podem. Querem a nossa confiança e digladiam-se galhardamente por ela. Até o voto entrar na urna, porque depois… Cinco são-me indiferentes e para um sou absolutamente contra. Quem adivinha quem é o Acácio tartamudo que detesto?

Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

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