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fevereiro 24, 2007

Os Provedores

O dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa define o provedor como: “Entidade ou personalidade independente dos serviços onde se encontra instalada e à qual se pode recorrer em caso de dúvida ou litígio, ou para emitir um parecer.”

As palavras-chave desta definição são, portanto, independente, recurso e parecer

Assim, os vários provedores que foram nomeados – Justiça, leitores, telespectadores, etc. – introduziriam, num determinado corpo, um olhar lúcido, crítico e capaz de produzir um discurso auto-correctivo.

Desta forma as instituições permitiriam a formação de uma consciência crítica, partindo do seu âmago e decisão, que poderia ser justaposta e tenderia a antecipar posições menos controladas do exterior. Teríamos, assim, a autodefesa canalizada através de um corpo mediador o qual, detentor de um aparente poder de transformação funcionaria, pela canalização da fúria, como prudente almofada para amortizar impactos mais destrutivos, por menos controlados.

Escolhem-se para tal posição pessoas altamente competentes, prestigiadas e inatacáveis, ostentando-se aos utentes a verificação da abertura das instituições ao exterior demonstrativa de uma democraticidade a toda a prova.

Estas personalidades, de integridade incontestável, recolheriam as críticas, sugestões e opiniões dos cidadãos e transformá-las-iam em pareceres coerentes, objectivados e funcionais, utilizados para o melhoramento, ou mesmo transformação, das organizações e dos serviços prestados.

Não contestando a boa-fé e a vontade de servir dos vários provedores tenho sempre presente a sensação de que a sua utilidade se esgota nos estreitos limites entre a produção do discurso e a possibilidade de actuarem, com eficácia, em qualquer coisa que atinja os equilíbrios dos poderes que os nomearam.

Assim sendo, estaríamos perante mais uma demonstração do discurso “esquizofrénico” que vem invadindo a realidade social manifestado na diferença entre o enunciado e o verificado, entre valores e materialidade, bem-fazer e desenrascanço, ser e ter, ou realidade e aparência.

No entanto os provedores existem para além das minhas dúvidas e a melhor forma de lhes outorgar poder e deixá-los testar as fronteiras que os inibem é, quanto a mim, colaborar com eles comunicando-lhes as nossas posições e verificar posteriormente qual a sua eficácia.

Assim fiz, enviando, em 21 do corrente mês, o texto abaixo inserido, ao Prof. Paquete de Oliveira, Provedor do Telespectador, na RTP1.

O programa que me leva a entrar em contacto consigo enquanto Provedor do Telespectador é o “Grandes Portugueses”.

Uma primeira observação geral para o objectivo do próprio programa: -Eleger o maior português de sempre!?

Tarefa, penso eu, impossível sem que o campo seja segmentado por áreas ou tempos. Há grandes portugueses em muitas áreas e eras, não será possível escolher um em absoluto. Enfim, é a minha opinião, possivelmente isolado ou minoritária. Além disso, este programa não passará de um jogo…

E que importância tem ou poderá adquirir um jogo na nossa sociedade? Melhor que eu o Professor dará resposta adequada.

Por isso, passemos à crítica na especialidade.

Ontem, Terça-feira, dia 20 de Fevereiro, passou na RTP1 o programa dedicado a Fernando Pessoa. Sendo ele um dos eleitos do citado concurso pressupõe-se que haverá a intenção de chegar às “massas”, isto é, de ter a maior penetração possível nos variados grupos sociais que compõem os espectadores do canal. Por outro lado, fazendo o poeta parte do conteúdo programático do ensino secundário teria bastante interesse que esse programa fosse acessível ao maior número possível de jovens.

Parecem-me pressupostos razoáveis.

No entanto, o programa foi para o ar já passava muito da meia-noite. Não posso precisar se no horário programado (00,10) mas presumo que muitos minutos depois.

A minha questão é se há bom senso neste tipo de programação. Repare-se! Em Portugal a Quarta-feira de Cinzas não é dia de trabalho? Os portugueses não têm necessidade de um sono de cerca de oito horas por pessoa? A sua deslocação para os locais de trabalho não os obrigam a levantar-se pelas seis da manhã? E não têm direito a ver um programa – que embora concurso - pertence à área do cultural e por isso mesmo ultrapassa o efeito distractivo e soporífico do pão e circo? Só o futebol é que pode alterar a ordem normal de programação para ser transmitido em directo?

Se olharmos para a programação do dia, a partir das 21 horas, ficamos a perceber a razão da apresentação, a horas tardias, do documentário sobre Fernando Pessoa. Ele pode lá competir com o José Mourinho!!!

Agradecendo a atenção para o meu desabafo cumprimento-o, mais uma vez, desejando-lhe os maiores êxitos.”



Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

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