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abril 04, 2006

Não te esquecerei nunca

Cumprir-se-ão 32 anos, no próximo dia 25 de Abril, que no meio dos acontecimentos que revolucionaram o País, saiu, discreto, para a luz do dia um pequeno livro de poesia com o nome de Silêncio Mordido.

Foi o meu primeiro livro editado e, no dia da sua saída, ficou por completo abandonado, mesmo por mim, porque aquilo que este livro denunciava e atacava, acabara de ruir sem honra nem glória.

Com o avassalar de acontecimentos quer o lançamento, quer a distribuição do livrinho ficaram muito comprometidos e se despercebido nasceu, despercebido continuou até que um dia, passados muitos anos, um amigo me disse, meio envergonhado, que numa banca de alfarrabista, no Parque Mayer, estavam, a preços da chuva, alguns quilos do meu Silêncio Mordido.

Corri ao alfarrabista e por tuta-e-meia comprei as centenas de exemplares à venda.

E aí lhe fiz correr o destino entregando-o a leitores seleccionados, que sabiam muito sobre as suas circunstâncias.

Explico.

O livro trás a seguinte dedicatória:

“À memória de MANUEL JOÃO

Alentejano. Mineiro em S. Domingos ceifeiro em Baleizão. No dia 7 de Abril morreu. Na linha de Cascais, sob um comboio. NÃO FALOU. “

O Manuel João tinha mais de cinquenta anos nessa altura e estava quebrado pela dureza da vida e pela prisão política. Tinha os cabelos fartos e brancos e uma voz de quem pede desculpa. No entanto espantava tanto por tantas coisas que um dia, um administrador da empresa onde ambos trabalhávamos comentava comigo em jeito de admiração: Sabe que o Manuel João lê o Alves Redol??!! Um contínuo a ler…!!!

Sabia e sabia muito mais. Que dava apoio e guarida em casa a gente perseguida pela PIDE e que, na Sexta-Feira ante da sua morte, ao findar do dia, me revelou uma sua grande preocupação. Tinha sido levado uns dias antes à PIDE. Tinham-no interrogado brevemente e, coisa admirável, deixaram-no sair sem muitos problemas. Do seu saber arcano isto tinha-o feito desconfiar muito e percebeu que continuava a ser seguido. A preocupação que me confiou foi: - Estou velho, tenho medo de já não aguentar o interrogatório e de vir a dizer coisas que não devo.

Confortei-o conforme me foi possível mas com pouco êxito. O Manuel João lá se foi a caminho de casa e do fim-de-semana.

Nunca mais o vi.

Disse-me posteriormente o irmão que pela manhã desse sábado, na estação ferroviária de S. Domingos de Rana, esperava o comboio, perto da mulher, quando se apercebeu que a PIDE o ia prender.

Beijou-a e disse-lhe qualquer coisa como isto – Eu não falo. Adeus!

Atirou-se para baixo da composição, que passava no momento, mordendo, para sempre, os seus segredos.

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