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abril 05, 2011

Vejam bem…




(Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar…
José Afonso)





Todos ouvimos os senhores do capital a rezarem furiosos, nas suas catedrais de comunicação, em presença ou através dos diáconos a que apelidam de comentadores – sempre os mesmos e sempre com o mesmo discurso – pela descida do Santo FMI dos céus à Terra. E fazem bem! Porque eles, ao contrário de nós, conhecem bem as coisas que os servem e lhes interessam e, precavidos ulisses, não se deixam dominar por cantos de sereias. Não são estúpidos e sabem muito bem o que essas melopeias valem, porque são eles que as ordenam.

Observemos, então!

A Grécia, obediente e culpada de mau governo e contas fraudulentas, foi a primeira a submeter-se às drásticas medidas do Fundo. Como é hábito, dentro da coerência neoliberal que o fundamenta, mandou cortes violentos nos salários, nas reformas, no acesso ao crédito, nas prestações sociais e por aí fora. Tudo sacrifícios enormes, suportados pela população, com reiteradas promessas de que o objetivo desta penitência seria a felicidade comum a curto prazo. Azar! Atrás de sacrifícios vêm sacrifícios e o caminho para a degradação de padrões de vida não para.

A Irlanda, a aluna aplicada, que fez do credo liberal o seu modo de vida, após efémero sucesso viu a bolha bancária explodir e, em consequência instalou-se a miséria, causando, de novo, ondas de emigração como já não amargavam há décadas. Claro, obedeceu ao FMI, fez cair o governo, aplicou as dolorosas medidas e vai piorando dia a dia.

Em Portugal o governo PS opôs-se, no discurso, valorosamente com inaudita coragem (são eles quem o afirma) à entrada do FMI. Que não, seria uma vergonha nacional, onde ficaria a honra da Pátria? Na prática, às prestações, PEC após PEC, aplicava a receita consagrada, para aplacar os mercados e a cada aplacação, os juros aumentavam, a pressão não diminuía, as exigências cresciam em proporção geométrica. Mas o governo não via nada disto. Famílias inteiras no desemprego, sem auxílios sociais, caindo velozmente na maior miséria não existiam no universo virtual onde os nossos ministros pairavam. No lugar de agora, sob a égide de Sócrates, vivia-se no melhor dos mundos.

Como a realidade não se compadece com cegueiras coletivas, ao PEC IV, o abcesso rebentou. Aqui d’el-rei que os mercados isto, que os mercados aquilo, agora é que vão ser elas. A irresponsabilidade campeia. A mim o dilúvio! Os mercados, tal como anteriormente, continuaram no mesmo caminho a pressionar e a aumentar os juros. Mas o governo esqueceu os aumentos anteriores. Ficou obcecado pelo seu derrube, usou a borracha, e propagandeou que todo o mal veio ao mundo após este pecado original. Primeiro-ministro, ministros, sicários, propagandeadores e quantos “boys” foram providos de proventos, vêm à praça, na grande imprecação dos seus sonhos de poder desfeitos. Nada lhes interessando os sonhos de vida de milhares já acabados, repetem, até à náusea, a ladainha da vitimização, incapazes de olharem, mesmo que brevemente, as imensas culpas que lhes cabem.

O PSD e o CDS, cansados de esperar pelo seu bocado, coerente com os credos capitalistas que fazem seus, não têm paciência para os socalcos do socialismo de Sócrates e querem maior rapidez e profundidade nas medidas. Isso, porém, para não perder votos, só executadas por força exterior. Então que venha o FMI e já! Pobres tresloucados. Não percebem que serão os primeiros a perecer perante o maremoto. É que, como se pode ver pelos exemplos anteriores, ao Fundo apenas interessa garantir o pagamento da dívida aos seus patrões. São capatazes dos especuladores financeiros que, para seu provento próprio e egoísta, na sua ganância sem limites, não se importam de levar as nações à guerra nem os povos à miséria, desde que tal traga lucros. É para este belo panorama que o futuro e requerido governo maioritário ou de coligação nos quer levar. Nem mais!

Entretanto, a pequena Islândia, farta de engordar gulosos, pôs-lhes um forte freio. Pagar a dívida, sim, mas à distância. Querem-na saldada em oito anos? Impossível sem dessa forma se condenar o povo a pagar dolorosamente um crime que não cometeu. Pagamos em trinta anos! É pegar ou largar! Sem outro remédio perante tanta determinação, os abutres tiveram de pegar. Quem levou o país ao descalabros? Os políticos e os banqueiros. Então julguem-se e façam-nos pagar a crise em que nos lançaram. Ontem, 4 de abril, foi passado mandato de prisão para o primeiro banqueiro julgado por tais delitos.

Há, como se vê, outras formas de reagir à desdita. Demonstram-nos eles que, além das medidas canónicas, estabelecidas pelos criadores da crise e ainda em seu próprio proveito, existem alternativas de que nos tentam desviar. Falta aprendermos a lição e começar a pensar.

Na próxima sexta-feira, o Bloco de Esquerda e o PCP, finalmente, decidiram marcar um encontro. Não sei se será tarde ou se tal reunião renderá frutos, mas é uma esperança que não se pode deixar de lado. Será, talvez, assim o espero, o início de uma verdadeira alternativa a esta política de vampiros que nos amarra e voluntariamente nos cega para as verdadeiras oportunidades. Vamos ficar a ver, torcendo para que a inteligência vença o preconceito e a verdade se imponha à mentira em que os mandantes nos têm trazido.

Ah! Muito importante. Hoje, a Europa, certamente muito preocupada com a fome que grassa entre os seus milhões de pobres, publicou um estudo e recomendações sobre os hábitos tabagistas dos cidadãos! Mesmo adequado à situação e muito a propósito!


Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

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