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março 11, 2011

Crápulas!



A gente sempre soube que os governantes raramente são de confiança. Começam todos por jurar só pensarem no bem do povo e acabam, invariavelmente, por cuidar apenas dos próprios benefícios, contra os interesses da maioria, marimbando-se completamente para os efeitos nefastos que possam trazer à vida de todos os outros. É um fado de que não conseguimos livrar-nos e que, com maior ou menor azedume, lá vamos acompanhando, à miséria e ao desespero, em tom de ré menor. Mas sempre em desgarrado desalento! Por mais voltas que se dê e por melhor que sejam as palavras e mais brilhantes os oradores, será sempre altamente deficitária a posterior correspondência com os atos.

Desabafava assim o Belegário hoje, pela manhã, quando me encontrou calmamente tomando o café que me haveria de despertar para o dia. Tinha só beberricado um diminuto golinho quando ele desabou sobre mim não estando, portanto, capaz de desfazer o embrulho em que a sua torrente de palavras me submergiu.

Ainda bem que apareces, disse, tentando recompor-me. Não te via há muito tempo e ainda na semana passada um amigo, no almoço da tertúlia, perguntou-me por onda andarias tu. Já estava com saudades do teu mau génio. Mau génio, o tanas, replicou. Como é que se pode andar contente neste pardieiro de país. São só palavras de palavras e atos, quando os há, são precisamente o contrário daquilo que se anuncia ou se comenta. É uma súcia de patifes, de burlões, todos a correr para o tacho, todos a ver quem melhor se amanha e, o que é pior, é que a desvergonha vai tão açulada que já nem sequer procuram disfarçar a avidez com que “vão ao pote”.É isto que para eles é conquistar o poder. Beber no cântaro até fartar e de preferência mantê-lo num lugar recatado onde ninguém mais, fora do grupo, possa chegar-lhe. Corja!

O Belegário, muito portuguesmente, cuspiu para o lado numa onda de nojo pela política e de alívio do catarro.

Sabes, placou-me depois de aclarada a voz, hoje, ao acordar, ouvi no noticiário, no rádio, que este miserável desgoverno nos ia aplicar mais uns cortes na segurança social, na saúde e nas reformas. Tudo em nosso benefício, claro! Por outro lado ontem ia despejando as tripas ao ouvir as medidas que os amigos convocados pelo PSD, para lhe darem ideias para o programa de governo, tiveram a lata de apresentar. Para além da novidade de não trazerem, na maior parte das propostas, novidade nenhuma, aquelas que apareceram bem podiam ser apresentadas numa rua escura por um bando de meliantes, de cara tapada e armas na mão, a assaltar transeuntes descuidados. Nem mais nem menos os fabianos sugeriam que, nas empresas privadas, fosse permitido diminuir os vencimentos dos trabalhadores e, como contrapartida, certamente para equilibrar, propunham que se aumentasse os vencimentos dos políticos. Está-se mesmo a ver que, antecipando a chegada ao poder, já estão com os tachos pretendidos em mira e, por mero espírito de sacrifício e serviço público, decidiram imolar-se, metendo mais umas notas no bolso, quando vierem a ocupá-los. Isto é, com certeza, para se mostrarem solidários com a abnegação que impõem aos outros e para os ensinar a não viverem acima das suas possibilidades. Desta forma, eles poderão gastar à tripa forra, alimentando-se com a nossa fome, mas, seguramente e dados os seus acrescidos proventos, livres do feio pecado, cometido por todos este povo de, por excesso de incauta avidez, viver acima das suas possibilidades.

Estou farto, espumava o Belegário. Sinto-me espoliado nas esperanças, roubado no futuro, desesperado por não poder acreditar em ninguém e rebenta-me a cabeça no esforço de tentar perceber como poderemos livrar-nos desta canalha, destas hienas fedorentas que se alimentam da carniça causada por tantas medidas castradoras e injustas, impostas a jovens e velhos, enquanto assobiam para o lado e vão, por desmedida usurpação, condenando as forças da nação à deliquescência. São culpados em altíssimo grau de genocídio geracional. Não deixam vingar os novos e, por míngua e aflição, matam os velhos. Oxalá rebentem, de gangrena fiduciária, quando forem aos bancos buscar os proventos das aplicações de capitais roubados à população.

Levado na sua onda de indignação o Belegário continuava a discorrer. Quero lá saber se o discurso do Presidente ataca ou defende o Governo. Isso é lá entre eles. Entendam-se! Eu bem vi, na campanha eleitoral, como a zanga das comadres lançava para o público parcelas de verdades inconvenientes. Mas parecia que ninguém ouvia. Pois se é tudo boa gente! Estão todos no poder por filantropia e inquebrantável amor ao povo. Ninguém vai para o poleiro porque isso lhe permite um salto qualitativo no estatuto social. Não senhor! É só desinteresse pessoal e vontade de construir um mundo melhor para os palermas que se levantam pela madrugada para vergarem as costas durante todo o dia. Também porque haviam de ter uma vida diferente? No fundo é só o que sabem fazer e do que gostam. Dá-se-lhes à noite um qualquer big brother e eles ficam felizes. Já não pensam em mais nada e estão prontos para a repetição de mais um dia de cansaço e desânimo. Para o mais têm o Benfica e Nossa Senhora de Fátima! Olha, rematou sem aviso, tenho andado muito quieto mas amanhã, já decidi, vou acompanhar o meu filho na manifestação Deolinda. Parvos é que eles não são e começam a despertar. Talvez venha esta geração a ser aquela que os vai pôr “à rasca”.


Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

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