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janeiro 30, 2009

Sobre a dádiva





Apresento o meu pedido de desculpa ao Antropólogo Marcel Mauss (por me ter apoderado de parte do título da sua obra para nomear esta crónica) autor do clássico “Ensaio sobre a dádiva”, onde, ao analisar vários sistemas de troca verifica a existência de uma força no objecto doado que obriga sempre o recebedor à sua retribuição. Ilustra esta afirmação com a análise de vários sistemas de permuta, entre eles o “potlatch” do povo “Kwaikiutl”, residente na Colômbia Britânica (Canadá).

Ao examinar as maciças destruições de bens perpetradas por esta gente, os nossos amigos britânicos entraram em pânico. Viam eles as pessoas comuns, mas com maior evidência os chefes, realizarem grandes encontros onde, mutuamente, traziam para os locais de reunião bens valiosos e os destruíam de seguida. Tal comportamento só poderia surgir como irracional aos olhos dos colonizadores ocidentais. Estudos antropológicos vieram mostrar os objectivos de tais acções os quais, outros não eram, que os da obtenção de poder e prestígio, tão comum ao hábito ocidental, só que, em vez de entesourar, destruíam. A lógica de tais acções estava mesmo na capacidade de se ser tão desinteressado e possuir tanta riqueza que destruir coisas de muito valor, em frente dos seus rivais, era facto que os não afectavam por demais. Estes, para responderem à parada, ver-se-iam socialmente obrigados a sacrificar bens de valor superior, como forma de retribuição, ficando, não o fazendo, desprestigiados e sujeitos ao domínio de quem mais tinha alimentado o acto destrutivo. Na essência, porém, estavam as obrigações recíprocas de dar, receber e retribuir.

Ora é aqui que retorno à actualidade e, como não poderia deixar de ser, ao caso Freeport.

Os netos daqueles britânicos que se horrorizavam com o desperdício Kwaikiutl, que nunca responderam a anteriores pedidos portugueses para investigações em off-shores relacionadas com actos menos claros e relevantes para a implantação do Outlet, vieram agora pedir para investigar as contas do nosso primeiro-ministro, sob alegação de que o mesmo seria suspeito de ter “solicitado, facilitado ou recebido pagamentos”. Nem mais! Parece, por outro lado, não terem suportado, esta solicitação, com provas inequívocas sobre a suspeição.

É no mínimo grave! Não só porque se trata do primeiro-ministro de um país independente e sem qualquer subordinação às ilhotas, como porque, por tortas linhas, poderão estar a tornar possível um forte desejo do nosso primeiro:

Antecipar as eleições legislativas!

Não concordando minimamente com a antecipação fiquei fortemente exaltado com mais esta arrogância britânica. Não bastava o ajoelhamento no caso Maddie e já outra pesporrência nos enviam. É caso para dizer, por favor, não nos batam, com tanta insistência, à porta. Para vocês não estamos.

Voltando às minhas preocupações, elas começaram quando, (já lá vai algum tempo e com a pouca credibilidade que o autor merece pouca gente se lembrará) o Dr. Santana Lopes, lançou um aviso à navegação, alertando para o desejo, não confessado ainda, do primeiro-ministro pretender submeter-se a votos, antes do fim da legislatura. Como era o Santana Lopes, pouca gente o tomou a sério. No entanto, uma ligeira análise do percurso do governo levar-nos-ia a considerar não ser despropositado tal juízo. É que as coisas não iam de feição para que a linha Sócrates viesse a obter nova maioria absoluta. Por um lado, a contestação ,no interior do partido, crescia a olhos vistos; por outro, os professores na rua, a crise cavalgante e a fraca consistência do maior oponente eleitoral, ditariam, como boa, uma eleição o mais breve possível. Passado algum tempo, como se nada houvesse sido dito, o primeiro-ministro, ele próprio, levantou, leve levezinho, a possibilidade de alteração de datas eleitorais. O Presidente da República, que não é do PS e que anda um pouco rabiado com o Governo, veio dizer : Tá-te, não caias. De mim não levas nada! E foi, para Sócrates, quarta-feira de cinzas.

No entanto, o nosso primeiro, que não sofre de falta de “determinação”, não se iria deixar ficar por tão pouco. Penso que de imediato terá começado a pensar como forçar a situação. Pelo menos foi o que me pareceu ao observar mais uns ataques políticos feitos à presidência. Pensei comigo: Sócrates diz sempre o contrário daquilo que vai fazer, assim, ao afirmar que nada se irá alterar nas relações do Governo com a Presidência é porque irá acontecer exactamente o contrário. Vai daí, pus-me a pensar o que iria ele arranjar para levar o Presidente a fazer cair a Assembleia.

Pensam que estou a exagerar? Vejam só o panorama. Feitor de actos de propaganda que, por falta de qualidade dos mesmos e dos seus executores, revelam cedo a inanidade da proposta; incapaz, na arrogância, de negociar, pouco futuro haveria para ele num governo de maioria relativa. A grande crise, que veio fazer esquecer a outra em que já estávamos, embora sempre negada, de aliada inicial viria, com o aprofundamento e a incapacidade de resposta, a tornar-se inimiga fatal. Seria necessário criar um facto político onde o governante, no papel de vítima que tão bem representa, pudesse sair contristado para regressar triunfante.
Estão a ver?
A dificuldade estava em conseguir o pretexto para tal. Manuela Ferreira Leite não daria motivo. Má, quando calada, piorou com a fala. O Presidente, por esquivo, parecia ser por demais desgastante e por tal, não seria seguro o resultado da estratégia. Até que, o Freeport oportunamente voltou a bater à porta. Servia às mil maravilhas. Uma alta ofensa à dignidade própria, a impossibilidade de fazer prova sobre a existência de concessão de facilidades, a grande capacidade do povo português para admirar “chicos-espertos” e estava feito o caldinho. Era só pôr a máquina a trabalhar e a simpatia do bom povo pela vítima faria o milagre da nova maioria.

Há, no entanto, risco na estratégia. Tudo pode descambar. Se os investigadores nacionais seguirem a rota do dinheiro ( dois milhões de contos ou euros) muitas nuvens podem desaparecer e fazer nascer uma transparência solar e encandeante. Aí, os resultados serão imprevisíveis. Entretanto estamos em crise e o Governo não oferece credibilidade nenhuma. O episódio do “Relatório da OCDE para a Educação” é o mais recente momento desta farsa monumental montada pela propaganda do Governo. O desemprego cresce e o receio do tempo por vir trará incontáveis mudanças e desgraças. E nós continuaremos sem saber se a mudança dos limites da Zona Ecológica de Alcochete, estranhamente coincidentes em data de espaços e despachos, foi ou não uma utilização de informações e pressões privilegiadas, de molde a proporcionar lucros ilícitos para várias partes.

Volto ao tema inicial da minha crónica. Que força existe no objecto doado que faz com se crie a obrigação de receber e retribuir?

Deixando a resposta para quem quiser dedicar o seu tempo a meditar sobre os acontecimentos, ficaria muito mais descansado se soubesse que, perante as dúvidas, o nosso primeiro decidisse fazer a trouxa, entrar em governo de gestão e preparar as eleições antecipadas, que tanto deseja, mas sem a sua desacreditada pessoa a concorrer.


P.S. – Acabei de ouvir a comunicação que o primeiro-ministro fez ao País. Ponderei alterar, ou mesmo retirar, este artigo no caso de alguma nova informação demonstrar menos sustentabilidade nas minhas posições. Infelizmente ouvi mais do mesmo. Pelo que a crónica seguirá o seu caminho.


Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

1 comentário:

antonio.j.loucao disse...

OIÇA LA,Ó SEU BIGODES,EM RELAÇAO AO TITULO DO SEU BLOG.E SE FOR UMA TANGERINA?CONTINUA A FICAR COM A MAIOR PARTE?E O SEU PRIMO COME O QUE ?