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novembro 19, 2008

A autista e o "déjà vu"







Para que não haja mal-entendidos informo, desde já, embora tente racionalizar o mais possível o meu pensamento e indignação, este artigo será, claramente, anti-ministra da educação e respectiva corte.

Não é aliás o primeiro, porquanto, aqui no Rostos “on-line”, dediquei, à inefável senhora, em 1 de Novembro de 2007 a crónica intitulada “É a estatística estúpido”; em 13 de Dezembro do mesmo ano saiu “ O dado e o enunciado” e, finalmente, no rescaldo da primeira grande manifestação de professores foi publicado, em 13 de Março de 2008, “A mão que lhe dá o voto”.

É, como podem ver, um amor que se vai estendendo no tempo e com o tempo se vai confirmando. Aquilo que pensei e escrevi tem, infelizmente, ganhado corpo tornando-se cada vez, se não mais real, pelo menos mais visível.
O problema dos professores – não me refiro apenas ao episódio avaliação – começou muito antes dela e do estatuto da carreira docente. Começou com a posse de uma ministra eivada de neoliberalismo, de terceira via, que tomou, os professores em bloco, como inimigos a abater.

Corria, no início da legislatura, o discurso impressionista de ataque às corporações com alguns proveitos para o Governo que pretendia apresentar uma imagem de força e competência. Percebemos hoje que essa actuação, mais que modificar algo servia, sobretudo, para criar uma identidade reformista. Como é habitual, uma identidade forma-se, geralmente, por oposição a outra pré-existente. No caso do Ministério da Educação, estava-se mesmo a ver que os professores encontravam-se bem a jeito. Assim começou a intoxicação da opinião pública, aparecendo a ministra como a paladina dos bons cidadãos, contrapondo-se aos vilões que tinham o desplante de ensinar - mal - nas escolas e trabalhar pouco. Não procurou encontrar o mau e apoiar o são. Antes pelo contrário. Aproveitando alguns ruins exemplos, minoritários embora, pretendeu que a excepção fosse a regra. Porque a má-fé é como um vírus, altamente contagioso, esta táctica colheu frutos. A ministra embriagou-se de poder, cortou os seus laços com o mundo dos seres vulgares. Subiu ao Olimpo!

Nos antiquíssimos tempos em que a palavra apareceu ministro designava um servidor, em acepção abrangente e servidor de deus, em significado restrito. Com o tempo a significação da palavra foi-se alterando e de servidor o termo passou, para algumas pessoas, a valer o contrário: aquele que, por ter o poder do deus, é servido. Ora adivinhem lá qual foi o sentido adoptado pela nossa ministra?

Pois é, inebriada de poder, esquecida que a fonte da sua legitimidade é o voto e o poder popular, crendo o seu poder derivado directamente de algum confuso deus, tomou a sua palavra como a ordem natural das coisas e o seu querer como único e inquestionável desígnio dos seus serventes. Daí ao autismo foi um passo.

Por isso ela não viu a manifestação dos cem mil e por mais que lhe contem não acredita na dos centos e vinte mil. Se não, certamente perceberia que se oitenta por cento dos profissionais de ensino dizem que algo está mal, não será pura arrogância ou profundo autismo, continuar a afirmar – sem se quer se interrogar um pouco – que o seu método é o único e por isso insubstituível e inegociável? Só poderá ser uma certeza divina, soprada por qualquer poderoso espírito, porque, a qualquer pessoa normal, o volume da contestação levaria, no mínimo, a perguntar se não estaria algo equivocada.

Com estas jigajogas o que poderia ter sido uma forte contestação profissional, transformou-se em confronto político. Tentando aliciar os pais mais distraídos, a ministra do rigoroso discurso anti-facilitista e do reconhecimento do mérito, iniciou um ciclo de facilidades para obter na secretaria o que não era conseguido no campo. Os erros desta política só seriam percebidos no futuro, quando da ministra já nem memória houvesse. Com isto contaria e mais, com um brilharete conseguido na diminuição de despesas do seu ministério. Um pouco como a história daquele cavalo que quando já tinha aprendido a viver de forma económica, sem comer, acabou, inexplicavelmente, por morrer e logo de fome.

Para além do malquerer evidente da ministra em relação aos professores – vá se lá saber porquê – o seu erro básico é olhar para a escola como se fosse uma empresa e tentar geri-la de modo semelhante. Como não é possível tratar por igual o que é, em si, distinto, meteu água. As empresas fabricam ou comercializam “coisas”, a escola prepara cidadãos conhecedores e socialmente actuantes. A escala da empresa é a produção no curto prazo. A escala da escola é a do longo prazo, da vida das pessoas e do enriquecimento geracional. É isto muito difícil de perceber?

Pois a ministra não percebe. Não vê, não ouve, apenas fala. Como um oráculo! Sem possibilidade de contestação. Porque ela quer, porque ela sabe, porque ela manda. O resto que se dane. A sua via é estreita e de sentido único – apesar de frequentemente ter de dissimular preclaras emendas de erros – portanto nós devemos baixar as orelhas e seguir no trilho que nos aponta. Lembro-me que a Bíblia fala do tempo dos falsos profetas e aconselha-nos a distinguir o trigo do joio. Por isso, havendo um problema com dois lados, os professores e a ministra, ameaçando-se instalar entre eles a imparável espiral do ódio, recomenda-se, a quem de direito, que ouse resolver o problema pela via possível:

Exonere-se os professores ou a ministra.



Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

2 comentários:

prof.essa disse...

Olá Carlos,
constato agora que pelo menos algo mudou desde que a srª ministra tirou essa fotografia: envelheceu.Só falta dizer que a culpa é também dos professores, ora como eu até tenho as costas largas....

Bjs, Carolina

Carlos Alberto Correia disse...

É bem provável. Ainda hoje li, no Público, a terceira versão, pelo menos, que a bovina da DREN dá sobre o facto de, ilegalmente, terem mandado mails aos professores para colocarem os seus objectivos na plataforma do Ministério. Mentem por tudo quanto é sitio.

Beijos e paciência...