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maio 06, 2009

Bem prega Frei Tomás…




Não se pode queixar o cronista de falta de material imprevisto e saboroso. Ele há-o para todos os gostos e em tanta abundância que o desesperante é a escolha de sobre qual nos debruçarmos. Assim, do caudal dos últimos dias, escolhi dois casos que, por facilidade de discurso, tratarei na ordem inversa da sua cronologia.

Começarei pelo incidente acontecido, na manifestação do 1º de Maio, a Vital Moreira. Resumindo: o candidato do PS às Europeias, juntamente com a comitiva socialista, apresentou-se na manifestação convocada pela CGTP para, além da comemoração do evento, protestar contras as políticas sociais do Governo, amplamente defendidas, na comunicação social, pelo candidato.

Se é incontestável o direito de qualquer cidadão participar em algum acto de cariz público já se percebe menos bem, porque carga de água, haveria Vital Moreira de, contrariando todo o seu historial, aparecer, inesperadamente, numa festa a que, por norma, nunca comparecia. A explicação que de imediato surge era a de, sendo ano de eleições e estando ele interessado em captar votos, encontraria alguma utilidade em mostrar-se num movimento de massas. É porém lícito perguntarmo-nos se seria aquele local o ideal para conseguir captar alguns votantes para a sua causa. Só com muita ingenuidade esta pergunta poderia ter uma resposta positiva.

Então o que o faria correr para um acto onde seguramente saberia não ser bem-vindo?

Seria tão-somente a firme vontade de exigir o cumprimento de um direito democrático? Poderia bem tratar-se disso não se desse o caso insólito de a vontade lutadora só lhe ter chegado neste ano e de, confrontado com a indesculpável hostilidade de uns poucos, lançar, como se disso estivesse já à espera, ser aquela a sua Marinha Grande. Sabendo nós todos como o incidente da Marinha Grande foi importante para a viragem nos maus resultados até ali obtidos por Mário Soares, sabendo também como a campanha não vai alegre para Vital Moreira, instala-se por demais a desconfiança que o escarcéu seria o verdadeiro motivo da presença do apagado candidato às Europeias. Sem entrar em teorias da conspiração, nem fazendo gala de tentativas de cabalas negras, a verdade é que se seria de esperar uma reacção enérgica à situação criada. Só que a reacção foi muito maior e alargada, passando o incidente com manifestantes a ser móbil para exigir um pedido formal de desculpas por parte do PCP.

Aqui me espanto eu!

Mas porquê do PCP? A organização do evento não era da responsabilidade da CGTP? E mesmo que os desordeiros fossem militantes do PCP teria ele de arcar com a responsabilidade do gesto de alguns energúmenos, por acaso putativos militantes desse partido? Então, quando em Felgueiras militantes do Partido Socialista agrediram dirigentes do mesmo partido ter-se-ia de meter no mesmo saco – porque eram militantes – agredidos e agressores? E porque alguns militantes do PS possam vir a ser acusados de corrupção entende-se que todo o partido é corrupto? Um pouco de seriedade e comedimentos é o que se pede meus senhores. É sempre a extensão abusiva do acto individual ao colectivo que fundamenta o aparecimento de teorias racistas e autoritárias.

Por outro lado o facto de possuirmos um direito exime-nos de ponderar quando, onde e em que casos o deveremos exercer? Sabendo embora que é a sua utilização que funda o direito possuído, não será que qualquer pessoa com um mínimo de racionalidade procurará, se tal for possível, não tornar o seu exercício num acto agressivo?

Exemplifico:

Durante muitos anos fui simultaneamente associado de um sindicato e membro de conselhos de administração de empresas onde trabalhei. Como sempre entendi que a minha profissão era a que me levara a entrar nas empresas e que a eleição para a administração era uma mera comissão de serviços, mantive-me sempre como sócio do sindicato. Esta situação permitia-me, de direito próprio, estar presente nos plenários de trabalhadores convocados pelo sindicato. No entanto, nunca pretendi exercer esse direito, por achar que era abusivo em relação aos direitos dos restantes trabalhadores, e só fui a reuniões, quando directamente convidado e apenas permanecia nelas enquanto o assunto que ali me levara era tratado. Geri, durante muito tempo esta situação esquizofrénica e, por mais difícil e delicada que fosse, sempre cumpri todas as minhas obrigações e nunca fui desrespeitado em nenhum plenário e por nenhum trabalhador.

Quanto a mim, se não houve premeditação táctica no assunto, foi aqui que Vital falhou. Fez prevalecer o seu direito de presença acima de uma ausência ética. Foi a uma festa para a qual não tinha sido convidado e, por estar de relações tensas com os anfitriões seria fácil prever que a sua presença não seria bem aceite. Não sendo diminuído mental e consciente da situação deixa antever que procurou o que encontrou e que se serviu disso para poder marcar algum relevo político no plaino da sua campanha. Pecou por excesso de utilização de direito e míngua de bom senso e respeito por si próprio.

Ainda por ética e mudando de roteiro, vejo-me forçado a escrever sobre um outro assunto que me dói na alma.

Estou estupefacto e não consigo compreender como o meu partido, o Bloco de Esquerda, aceitou votar favoravelmente a nova lei de financiamento dos partidos. Se a lei anterior era iníqua – estruturada para garrotar economicamente o PCP, não permitindo alocar os lucros da festa do Avante – não é apadrinhando uma outra que permite multiplicar por cinquenta e cinco vezes o valor possível de receber, nos partidos, em dinheiro corrente, que se corrige um erro particular. Choca-me aliás a hipocrisia declarada de partidos de direita justificarem a sua aprovação com a resolução do problema financeiro do PCP. Que amigos eles são!

Então, que é feito da exigência de transparência? Da honestidade e declaração de interesses? Do evitamento de prestações monetárias com posteriores exigências, nunca declaradas, de favores políticos? Podemos exigir isto para os outros sem primeiro darmos o exemplo? Temos a trave no olho e preocupamo-nos com o argueiro no olho do vizinho? Não será que o nível de exigência que eu posso ter com os outros só se justificará na medida em que seja, no mínimo, equiparável àquele a que me obrigo?

Em nome da coerência e da possibilidade de continuarmos a defender a via da transparência e da moral expliquem-me e ajudem-me a encarar aqueles que hoje me olham sardónicos e atiram à queima-roupa “ bem prega Frei Tomás”.


Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt


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