desdémona alabastrina
para otelo saraiva de carvalho
I
desdémona jaz
nos teus braços meu
capitão de mais quentes
marés
ou praias de outros tempos
rodeiam-te enclavinhadas piranhas
em excessivo gesto de amor
as mãos torneiam a ingénua humidade da vida
pérolas de dedos enegrecidos
no jeito de calar
tudo se fazia à escala espontânea de outros rios
cheirava o novo verde até às margens
incómodos cavalos no viço dos tempos
em que tudo era redondo e levado no alcantil dos dias
e o corpo
ruído transitório no vento magoado
era sombra de domingo no frágil dos ombros
olha de novo
II
desdémona jaz
esquecida a invenção do protesto
deixa que o olhar só por si se sobrenade
até ao limiar das mãos
agora
sob a soleira do tempo repousa no prumo do leito
descreve o estático espaço entre grades de olhar
que portos tocas
que estonteantes claridades acusas
na procura lancinante dos inícios
quem as mãos te conduziu é que te acusa
aí estás desdémona de ti todo
onde te colocaram com a memória dos sentimentos
por estrear
braveza de tempestade nos trânsitos do espaço
como falar-te de gaivotas quando um corpo jaz
e tu olhas o espelho das mãos distanciadas e breves
onde te perguntas
há coisa mais terrível que olhar por sobre um rio
III
uma imagem percorre o clarão do raio
a cidade adormecida espera a quietude dos grandes temporais
olha a asa que voa
vê essa asa parada
avé ave asa ave
e que nos salve
e que nos salve
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