tema da solidão IX
por vezes escrevo
como quem luta
outras
como quem disfruta
do modo
da conduta
o importante é agarrar
a frase o lento murmurar
por dentro da palavra
o importante é descobrir
o senso que oculta
porque conhecer é desconhecer inicialmente
o resto é a semente
com que se emprenha o futuro
às vezes a palavra tem um muro
onde se esconde deusa refractária
contra a palavra invisto
nesse tempo
a palavra é um silêncio
que se recusa
e contra mim atenta
outras vezes desliza
é fio de água
ribeiro a correr nos roseirais
onde os peixes passam
átomos originais
assim a palavra se revela
se obstina ou se rebela
criando esta tensão
que me percorre
no silêncio ou no grito
em que se morre
palavra cujo império é a palavra
edifício construído sobre o nada
que é o ar a sílaba modulada
assim entendo o meu campo
a minha lavra
como lavrador me angustio
se o tempo não convém
à sementeira
mas sempre no inverno
ao som do frio
no meio da solidão onde me ostento
ponho as minhas palavras
na fogueira
1 comentário:
Tão simples como profundo este percurso sobre a força das palavras.E embora contadizendo Eugénio de Andrade... e... mesmo que as entornes no lume quando chega o Inverno; "Ainda não gastámos as palavras todas"
-Realmente o "merdoso" ataca constantemente.
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