Memórias - 2 - Carta à Marquesa
Em fins dos anos sessenta, princípios de setenta, havia, no saudoso Diário de Lisboa, um suplemento chamado Mosca, dirigido pelo Stau Monteiro. A carta que abaixo transcrevo, foi escrita para esse suplemento, mas, por obra e graça da censura, não chegou a ser publicada. Esclarecendo a situação. Havia ao tempo, nos salões de uma marquesa de que já não me recordo o nome, nem o título, um cenáculo de poesia onde pontificava um poetastro de seu nome Cravina. Seria o que de mais conservador se encontraria na nossa sociedade, arvorando-se, no entanto, no Parnaso da poesia portuguesa. Era a chacota de quantos pretendiam que a poesia fosse mais que um poeirento molde de sentimentalidades desfasadas e que apenas servia para encobrir a luta, que em todos os meios, se fortalecia contra a ditadura. A resposta que eu tentei dar e não consegui é a que agora se apresenta. Mais feliz foi Ary dos Santos que, fazendo-se convidado para um serão, os mimoseou, para grande escândalo, com o seu poema S.A.R.L..
CENHOURA MARQUESA
despois de muito pençar arresolvime a escreverlhe esta é que li nu jurnal ca ecelentissima marquesa tinha um çunaculo de poisia onde cum cenhor que se chama caravina deziam versinhos a modos que damor cumo acontesse eu gustar muitissemo de dezer déçemas cria pudir à ecelentissima marquesa auturisassão para botar uma das minhas nam sei sa cenhoura sabe queucá nam tenho muita instrussão andei até a turçêra classe purque despois tive quir trabalhar nu campo do fêtor da urtariça pur cu mê pai dezia quem nam trabuca nam manduca i o cenhour pirior um santo ome que deus u tenha em sê mrecido descanço tambem dezia cu rêno dos ceus era dos pobrezinhos i cuando era de verão i eu andava nas açêfas davame cá uma pena ver u santo ome a çuar coumu uma besta aperdoe voça ecelencia este modo de mal acomparar caté a alma se marrepelava i ele que tão amigo era dos pobres caté me dezia sempre à joao quem me dera ter a tua vida i eu ficava satisfeto pur nam ter que massentar no terrasso dupaçal á ora da sesta a ler o bruviario i dezia ele ainda cagente nam devia dar óvidos aos maldezentes que deziam cagente sermos todos iguais i que quem nascia chaparro nunca daria laranjas i que deviamos de arrespeitar as marquesas e os çunáculos de dezer decemas e sunetos damor e nam deviamos de gustar daquelas poisias que se fazem a dezer que os omes teem fome que teem os mesmos deretos i que cantam baladas i dizem ca instrução deve ser pra toudos ainda bem que á marquesas que sabem o que os santos piriores ensinam i fazem çunáculos i vendo bem as coisas é melhor eu nam dezer os meus versos purque secalhar a marquesa nam gustava i era capaz
de pençar queu estava a guzar i longe de mim guzar uma marquesa purque
cá inté nem ouve revulussao francesa e os fidalgos sao uma coisa muito bonita em que nam devemos mexer i assim acaba e sassina o seu qriado
2 comentários:
pois. não publicavam. mas lembras-te que nas nossas aulas de português oe teus textos eram sempre lidos em voz alta pela boazona da nossa professora ?
isso não contas tu!
um abraço.
como é que ela se chamava?
O nome dela já não me lembro, embora a sua figura esteja firma na memória. Andei a tentar namorar com a filha dela, que saira à mãe, mas com assinalável inexisto.
Já agora, as tuas redacções também eram sempre lidas e não te esqueças que,para marcar a diferença, também eram lidas as do Peúga.
Abraços
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