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junho 08, 2007

ode para um zé pires qualquer (poema)





nasci lá nos barrocais
e o mê nome é zé pires
fui pastor e fui ganhão
palmilhei o alentejo
botei filhos em mulheres
e nos alcanchais perdi
noutes fugindo da lei

era eu mui novo então

mondava os campos de trigo
pruma jorna de miséria

quando o galo do ti pedro
adregava amanhecer
já me pusera à margia
qu’era longe o mê patrão

lá pró meio do caminho
encontrava a rosa amado
-uma poldra redondinha -
que se mordia aluada
e comigo chafurdou
nos lamaçais da herdade

pus-lhes os tampos numa fona
e a melra pôs-se a bradar
qu’eu a tinha desgraçado

vai daí o velho amado
-que m’engula o inferno
s’isto que digo é mentira-
agarrou na de dois canos
e antes que lhe aprouvesse
romper-me a pele com ela
botei-lhe as tripas ao sol

e rais parta a minha sorte
mais a minha sevilhana
ele esticou o pernil

prantou-se a justiça a mim
e que remédio senhores
sem arreceber a jorna
com um pão sem conduto
fez-se o zé pires maltês

ninguém chorou qu’eu cá moça
era arranjo que nã tinha
parentes nã conhecia
em riba da porca terra

a nha mãe - que me desseram -
era uma boniteza
tratava do manual
do mê pai silvestre pires

ele qu’era môral
das vacas do unha grande
pra nã pagar o trabalho
-um dia oito mil réis
e azête prá semana-
apalavrou-se com ela

depois dos pregões botados
lá se casaram os dois

veio um padre da cedade
e um coxo sacristão

foi festa rija senhores
o povo sempre a bailar
p’la noute toda adiante

um dia - p’lo s. joão -
chegaram prá acêfa
ratinhos mal-encarados

os patrões - essa canalha -
deu-lhes o faro - a tantos passos
fedia a fome desses beirões -
e vá d’abaxar o preço
com que pagavam ganhões

os homens cá da nha terra
que os têm no lugar
botaram-se a caminho
do monte do unha grande

deitaram palavra rija
que um homem
só s’agacha pra cagar

mas ele largou-lhe os cães
e a guarda qu’é bruta
pra quem nã tem massaroca
prendeu os chefes e deu-les
porrada plo dia inteiro

depois foram pra lisboa
p’ra outra polícia que quis
ca modos fossem polítecos
e os deixou lá dois anos

o mê pai estava com eles

quando voltou p’rá vila
disse-lhe o bento - ó silvestre
um dos ratinhos - daqueles -
armou-te em chavelhudo

foi o mê pai encontrado
na nora velha do pico

é por isso que o zé pires
já nã tem ninguém no mundo

depois d’andar a monte-
prás bandas de montemor -
seis meses e cinco dias
prantei-me a dormir ao sol
debaxo dumas sobrêras

duas pegas estrangeradas
qu’eu enxerguei pela fala
sentaram-se ao pé do zé

eu cá nã nas percebia
dezia a tudo que sim

deram-me galinha e cigarros
e mais outras porcarias
a fome era tão grande
qu’eu tudo botava abaxo

calculem que depois
elas inté me despiram

eram duas e só eu
arrimei-lhe a conta delas

“ nã há nada mais prefêto
do cum homem satesfêto”

foram tempos assentei
os anos iam passando
o corpo já nã queria
passar a noute ó relento

botei o alforge no chão
perguntei ao lagariço
se precisavam dum moço
p’rá altura da debulha

empreguê-me na herdade
arranjei mulher e filhos
e nas noutes de inverno
sentado junto ao madêro
já sonhava ver os netos
em riba dos mês joelhos

mas nesta vida senhores
nã se pode sossegar
mandei prá escola o miúdo
e ele já nã quer parar

se vou dezer ao patrão
co denhero nã m’achega
ele é capaz de largar
os guardas e cães a mim

e lá começa de novo

o gaiato a maltezar
eu em lisboa a penar

a moenga nã tem fim

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4 comentários:

KIRA disse...

diria que sempre me surpreendes se isso não fosse já chapa repetida. lindo menino. vou enviar para o recanto das letras se não te importas.

Anónimo disse...

Devias ter vergonha de manter estas coisas guardadas.

Flor disse...

Devia ser barbaramente chicoteado por sonegar esta pérola de criatividade.

Carlos Correia disse...

Ofereço as costas ao chicote mas a culpa não é minha. Esta fala faz parte de uma peça de teatro (reconheço que sui generis) que já esteve para ser publicada numa editora do Manuel Geraldo, mas que infelizmente não foi para a frente. Foi tentada e negada a impressão em mais três ou quatro editoras e foi apresentada, no Teatro de Évora, ao Mário Barradas que não tinha lugar para ela no seu repertório.

Com tudo isto achei que não me devia aborrecer mais. Eu fiz o meu papel: escrevi. O outros que façam o deles. Representem ou publiquem!

Tenho dito e explicado.