Como se fora uma carta ao Director
Quiseste, Director, dar-me um valor, ou uma preponderância, que não possuo e, na Carreira 7, Horário 14,06, presenteaste-me com o imerecido prémio de uma local noticiando a minha renúncia à Concelhia do Barreiro do Bloco de Esquerda, por discordar do apoio à candidatura de Manuel Alegre e informando que o meu casto voto seria entregue ao Dr. Fernando Nobre.
Agradeço a importância que consignaste a este gesto, confirmo a tua notícia, sendo no entanto imperioso que esclareça que a minha posição, para as presidenciais, não é tão definitiva como pode transparecer da notícia.
Em 22 de Fevereiro publicaste a minha crónica “Baralhar e dar de novo” onde tentava analisar as três possíveis candidaturas à Presidência da República. Nela, em resumo, apresentava a possibilidade de Cavaco Silva voltar a ser reeleito, a desilusão causada pelo actual posicionamento de Manuel Alegre e o sopro de esperança que, presumia, viesse a ser a candidatura independente de Fernando Nobre. Salientava também que no xadrez político a situação de Alegre se alterara e era, agora, semelhante à de Mário Soares nas eleições anteriores. Presumia, ainda, que o capital de esperança poderia vir do Presidente da AMI. Os tempos deram-me, em parte, razão.
Posteriormente em 12 de Maio, em “Crise, Papa e Fernando Nobre”, igualmente publicada no Rostos, mostrava a minha angústia e desilusão por alguns posicionamentos de Fernando Nobre, pondo, se bem te lembras, o meu voto no mercado, em jeito de leilão, para ser entregue a quem por ele fizesse licitação maior. Até agora ninguém ofereceu nada, o que demonstra bem o valor da minha vontade.
Postas esta questões de principio voltemos à razão desta crónica. O meu desacordo com o Bloco de Esquerda é apenas conjuntural e em duas questões: candidato presidencial e Terceira Travessia. No resto, continuo indefectível apoiante e pronto para dar do meu esforço na parte possível e necessária. Esclareço também que, pelo facto de não apoiar a linha oficial nada de extraordinário me aconteceu no partido. Não só temos o direito de tendência, o exercemos e não somos perseguidos por isso, como sermos aderentes deste partido não exige de nós qualquer acefalia seguidista. Ao entregar a minha militância não entrego, conjuntamente, a inteligência e a capacidade crítica. Antes pelo contrário a minha crítica torna-se mais efectiva ao ser discutida e amplificada nas estruturas partidárias. Por isso, dentro da coerência exigida a quem quer ser sujeito das suas posições e destino, considerei, embora nada a isso me obrigasse, que seria correcto deixar o lugar que ocupava na estrutura partidária. Assim, renunciei, livremente, ao cargo, de tal não ficando com arrependimento pessoal nem com distanciação ao Partido e Camaradas.
Já no que a Fernando Nobre respeita, a local não levou em atenção a matéria desta última crónica.
Ao longo do tempo fui detectando, em discursos e posições do candidato, algumas debilidades, uma ou outra ingenuidade, certa inconsistência e o chegar de companhias pouco recomendáveis. Não acreditando que, por toda a sua história de vida, seja o Dr. Fernando Nobre alguém que se deixe instrumentalizar facilmente, a verdade é que à sua volta, procurando influenciar as suas flexões, adejam aves nocturnas com o ínvio propósito de apenas coarctarem as possibilidades de eleição de Manuel Alegre. Ora, não votando em Alegre, não me agrada fazer parte de vinganças pessoais de gente rancorosa, para quem a amizade deixa de fazer sentido sempre que qualquer divergência se opõe à vontade sacrossanta do patriarca.
Entretanto os tempos exigem-nos maior reflexão e grande cautela nas escolhas a fazer. Os posicionamentos de Passos Coelho – enquanto previsível futuro primeiro-ministro - se potenciados por um Presidente de similar ideologia, podem fazer perder, em pouco tempo, o que levou décadas a construir. Não tenham dúvidas de que um poder assim constituído se sentirá livre para atacar todos os direitos dos trabalhadores. Tudo o que até aqui era discursos de valorização da pessoa no trabalho, volver-se-á em prelecção sobre os custos de mão-de-obra e a necessidade de liberalizar despedimentos. Será exigido o livre arbítrio do capital sobre o trabalho, conduzindo à moderna escravatura das massas populares. Vejam bem que ainda lá não chegaram e já, com a cobertura da crise, procuram ganhar mais terreno, retirando-o às conquistas dos trabalhadores, demonstrando claramente que a luta de classes nunca terminou. Apenas, em democracia e em alta económica, se mascara e, dissimulada, esconde-se até à próxima crise que a especulação capitalista venha a provocar e queira que as vítimas, mais uma vez, paguem.
Estando tudo isto em jogo no nosso País, vejo-me numa angustiante dúvida sobre o que fazer. Neste momento apenas sei o que não quero. Não descortinei ainda aquilo que devo fazer.
Quem me ajuda a esclarecer estas dúvidas?
Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt
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