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maio 13, 2010

Crise, Papa e Fernando Nobre




Pronto, pronto, concedo! Vocês têm razão! Com os problemas da crise a baterem-nos à porta, deixando-nos meios gregos no meio desta confusão, com as ameaças às várias formas que se antevêem de diminuição real do rendimento disponível das famílias, com os desempregados a verem o subsídio a escapulir-se, o reemprego a ser coisa mirífica e a reforma cada vez mais distante e diminuta, porque carga de águas hei-de eu vir repisar teclas já tão batidas como a omnipresença e continuidade da crise, a visita do Papa ou a candidatura de Fernando Nobre à ainda distante nova presidência da república?

Que querem, são madurezas de espírito de quem, dirão os menos afectos a mim e aos meus escritos, não tem maiores preocupações. Tempo de sobra sem ocupação que se veja, pretensão inaudita de Catão provinciano, pequeno moralista protegido das agruras da realidade, pronto a sonhar utopias esquecendo-se que ter jantar na mesa, todos os dias, começa a ser uma preocupação para cada vez mais portugueses. Outros ainda, navegando por diferentes águas dirão que cada um tem o que semeia, que as desigualdades são naturais e que o bem ou o mal-estar de cada um apenas dos seus esforços depende e, nestes tempos de fausto religioso, poderão mesmo acrescentar, que deus dá a cada qual aquilo que merece. Sábias palavras e refinados conceitos. Apenas falham por serem requintadas mentiras utilizadas ao longo dos tempos por todos quanto têm alguma coisa a ganhar com a miséria e submissão dos outros. São realidades recorrentes que se aliviam em tempos de fartura e se carregam nas alturas das crises.

As sibilas do centrão arengam preocupadas sobre o excesso da dívida, sobre o exagero dos créditos às famílias, sobre o custo dos empréstimos e, consequentemente com a absoluta necessidade de cortar despesas e aumentar produções. Andam desesperadas a tentar a quadratura do círculo sem perceberem que se movem num rectângulo que condiciona não só percepção da realidade como, a sua colocação nesse espaço, os aprisiona à consabida e limitada visão permitida por tal perspectiva. Preocupam-se com aqueles que vivem miseravelmente de parcos subsídios permitindo, por isso, aos impantes governantes arrotar as magnificências do modelo social europeu e nada dizem, ou fazem, sobres as fortunas colocadas em “offshore”, os diminutos impostos pagos pela banca, a farsa das tributações das mais-valias em bolsa que, finalmente aprovadas, se “esqueceu” de incluir entre os taxados os grandes investidores, lançando, como cortina de fumo, o imposto sobre os pequenos e muito pequenos negociantes. Enfim, isto sou eu a falar e como sabem, não me podem levar a sério porque, dizem os livros que este senhores neo-liberais consultam, tudo isto não passa de mesquinhez de espírito conduzida por uma imensa inveja social. Vá lá, não sejam egoístas, pensem como estes abencerragens têm razão e predisponham-se, mais uma vez, a pagar com a vossa fome e as vossas necessidades o bem-estar, a ganância e o desperdício de tão ilustres personagens. É que eles detêm o pleno direito a terem o que têm e a ser como são. E mesmo que oficialmente se proclamem desafectos de igrejas e religiões, eles, lá no fundo sabem e agradecem ao deus das distribuições económicas, o direito sagrado que lhes atribuiu de viverem opiparamente sobre a desgraça dos outros. É a lei natural dirão e nisto esquecerão que a lei humana é a da cultura. De que as regras culturais, fundadoras das sociedades, deveriam ser o ultrapassar do tão jacente direito natural representado no domínio do mais forte sobre o mais fraco. No fundo, em nome da civilização e dos actos urbanos querem ver repostas, a seu favor, as desigualdades que dizem não aceitar mas que são o sal da sua vida, do seu estar repimpado nas espreguiçadeiras de uma injusta distribuição de riquezas.

Por tal, mais que risível, é extremamente ofensivo este constante atribuir de culpas, por aqueles que dirigem e dirigiram, aos pobres coitados que sempre sofreram as agruras dos descalabros por eles causados e nunca receberam benefícios nos “bons tempos” que os enriqueceram. Tal estado de coisas leva-me a remorder em solilóquio constante um “isto ainda acaba mal”. E é que vai mesmo acabar da pior maneira possível. Quando se corta no investimento, que poderia criar empregos, gastam-se milhões na recepção do senhor Ratzinger, o tal garante da pureza da fé de alguns padres pedófilos e o tenaz perseguidor e algoz dos padres que, no terceiro mundo, pregavam que sem a libertação e dignificação dos corpos não há almas que possam salvar-se. Por isso ele usa sapatos de conhecida marca e preço astronómico e trás vestido no corpo valores que dariam para alimentar, durante muito tempo, famílias inteiras. Não faz mal, é a humildade de Cristo que ele transporta nesta ostentação. Cá por mim penso que se o patrão dele for o que sobre ele consta este bom Papa já está tramado de todo. Como era mesmo aquela história dos vendilhões do templo?

E o que dizer dos nossos governantes “absolutamente laicos”, cumpridores eméritos da constituição que separa a religião do Estado e manda tratar todas as religiões de igual modo? Pois é! Como em tudo na vida, há religiões que são mais iguais que outras. Se calhar estou a ser demasiado ríspido nas minhas apreciações. É bem possível que por milagre, ou por mais terrena influência do Papa sobre os donos do mundo, as agências de “rating” decidam minorar os seus olhares de abutres sobre o nosso país. Pode ser que os donos do capital, que deslocalizam as empresas para onde não existe protecção para os trabalhadores, conduzindo nesse passo as suas sociedades de origem à degenerescência e miséria, se comovam com a demonstração de fé do bom povo e, por obra e graça da Senhora de Fátima ou do seu filho, seja a nossa dívida resgatada, os juros baixem, a bolsa suba, a produção aumente e leve a um bom acréscimo das exportações – e pormenor sem importância, quais e para onde? – crescendo assim o emprego e, pela justa repartição do rendimento, igualdade de oportunidades e qualificações, este país consiga acertar o passo pela Europa. Mas, tremendo pensamento que me ocorre, não é Jesus Cristo, no dizer do poeta aquele que não tinha biblioteca e nada sabia de finanças? Oh! Diabo! Lembrei-me agora que no seguimento do poema também se dizia que o melhor do mundo eram as crianças.

É maravilhoso como tudo acaba por se ligar e fazer sentido!

Vamos então ficar sem o aeroporto, a ponte e com um esquisito comboio de alta velocidade que irá do Poceirão ao Caia! Coisa admirável e nunca vista! Oh! pedregulhos com dois olhinhos como conseguem tão preclaras visões! Que Keynes vos perdoe e Marx não rebente de ira enquanto Adam Smith e Freedman se riem a bandeiras despregadas de tão incoerentes personagens. Nem sequer conseguem ser inteiramente o que são, ou, talvez mais convenientemente, pretendam ser e apenas consigam, na pequenidade que os habita, as caricaturas que na verdade são e serão.

Ah! É verdade, o Fernando Nobre! Lá o vi, no meio da selecta multidão de convidados a prestar a sua homenagem a sua santidade. Fiquei tramado. Se ele também alinha com a pandilha em quem é que agora vou votar? A qualquer um que tenha conseguido ler até aqui este meu desabafo pergunto se conhecerá alguém, seja de que candidato for, que queira comprar, mesmo que a preço módico, o meu voto?

É que já estou naquela de: se os não podes vencer…


Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

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