Parabéns! Estamos 20 % mais pobres.
Uma vez mais o inefável engenheiro veio dar mostras públicas do infinito amor com que brinda os seus concidadãos. Pensam que ele escolheu o caminho fácil de criar postos de trabalho, melhorar o nível de vida, de saúde ou de educação cá do pessoal? Claro que não! Isso seria um percurso demasiado acessível ao estrénuo respeito e amor que o seu coração (agora, vejam bem, apertado por tais medidas) recusaria percorrer. Sim, porque ele, no seu infinito saber, vê mais longe que nós e percebe aquilo que nem nos passa pela cabeça.
Num dos seus cursos de domingo aprendeu, para felicidade de todos nós, que nada vale ao homem conquistar toda a glória do mundo se perder a sua alma. Espírito nobre e desafecto das coisas do mundo, tremeu, na sua imaginação, ao vislumbrar a sofrida eternidade deste povo pouco esclarecido e tão entretido com pequeníssimas preocupações terrenas tais como arranjar trabalho, garantir-se a si e aos seus as refeições diárias, pagar contas de serviços, enfim, mesquinhamente, sem olhos de grandeza futura, apenas sobreviver. Decidido a garantir-nos no advir um lugar na eternidade do Senhor, bem postados à sua direita, matutou sobre os pecados cardiais e sobre as virtudes teologais e, tal Santo Agostinho converso, resolveu sacrificar-se por nós todos, apontando medidas de bom e útil sofrimento, para escarmento da alma, pois é bem sabido que é mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha, que um rico entrar no Reino do Céu.
Para tanto, com o imo em sangue, mas fortalecido, pela graça do Senhor e pela bondade das suas intenções, informou o povo, de alguns sacrifícios, pequeníssimos tendo em conta o antevisto benefício, a que iria ser sujeito com vista à salvação da sua alma de molde a podermos, todos sem rebuço, comungar da felicidade eterna prometida a todos os deserdados e pobres de espírito. Assim, decidiu, amorosamente, empobrecer-nos cerca de vinte por cento.
Alto aí, dizem-me alguns espíritos despertos. O santo só disse que iria cortar uma média de 5 por cento no vencimento dos funcionários públicos. E, acrescentam, toda a gente sabe que eles são uns sibaritas e uns fariseus. Não, esclareço eu, o que ele não quis foi assustar-nos com a verdadeira dimensão do sacrifício. Como sabem ele tem um íntimo solidário e generoso e sabe bem como os vulgares mortais estão agarrados aos bens materiais. Por isso decidiu, com suprema inteligência e bondade, pôr-nos o comprimido disfarçado no doce para que o tomemos sem refilar com o seu amargor. Preocupação de pai amantíssimo, acrescento, que sabe que o filho tem de tomar o remédio amargo para a sua salvação, mas tudo faz para que o ordálio lhe seja mais leve. Abençoado seja!
Deste modo, ingénuos como sabe que somos, serviu-nos, para nosso alívio, as fezes em pequenos tragos sumativos. Acompanhem-me, por favor, neste raciocínio que poderá abrir-vos os olhos para a grandeza espiritual do nosso líder sagrado. Distribuindo parcelas por PECS e por medidas orçamentais informou-nos, com inusitada benevolência, de que iríamos ser aliviados, através do IVA de três por cento do nosso pecúlio. Acrescentando os cinco por cento – em média – de corte de salários (sei que é na função pública mas tenho fortes esperanças que o sector privado, a bem da temperança, não deixe de seguir tão nobre gesto) o que perfaz oito por cento. O aumento de desconto para a segurança social será de uns míseros um por cento e lá ficamos com um resultado de nove por cento. Considerando que, pelo menos durante quatro anos o distinto cavalheiro nos irá aliviar do pesado fardo dos aumentos e podendo considerar uma inflação média no total de oito por cento, calculamos que os dezassete por cento seja um número plausível. Os restantes três por cento? Penso que serão pouco para fazer face ao aumento de IRS pelo corte nas deduções, pelo custo dos cortes em educação, actos médicos e medicamentos. Lá temos os nossos vinte por cento de sacrifícios que, tendo em conta que a Igreja só pedia a dízima, é o dobro do que o Senhor exigia. Têm pois alguma dúvida que pagando mais o nosso sacrifício não será garantia de um melhor lugar no paraíso?
Por isso eu agradeço ao senhor engenheiro e ao senhor doutor das finanças o favor que me fazem e exulto por saber que estou a garantir, por um preço tão baixo, a eterna felicidade. Tenho é muita pena dos ricos que escapem a estas medidas porque eles viverão no sofrimento e na danação eterna. Espero apenas que o Senhor e o senhor engenheiro lhes iluminem os dias e façam o milagre de garantir o nascimento, todos os dias, de legiões de pobres em que eles possam exercer a sua caridade proporcionado-lhes o seguro viático para mansão celeste.
A despropósito! Apetece-me ouvir a Canção de Madrugar do Hugo Maia de Loureiro. Vão ao YouTube e onde se canta amor ponha-se liberdade, justiça ou equidade e perceberão o que o Ary queria dizer e o que estamos a precisar nesta era de tamanha religiosidade.
Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt
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