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setembro 07, 2010

Oh, God! Que nojo!






Como Vossas Excelências muito bem sabem o homem é um animal de hábitos. Quer isto dizer que vai construindo a sua vida sobre uma série de costumes, adquiridos ou transmitidos, que se colam à sua pele e, no decorrer dos tempos, passam a definir o que é “natural” e o seu contrário. Deste modo, o “outro”, o que tem hábitos distintos, é sempre um ser estranho e, por tal, muitas vezes ameaçador. É nestes julgamentos primários que repousa a génese do etnocentrismo e, quando muito ampliado, chega-se ao mais refinado racismo.

No entanto uma convivência mais próxima leva-nos a ganhar compreensão pelos modos do outro e, muitas vezes, apoderamo-nos de alguns dos seus comportamentos os quais passarão a fazer parte da nossa panóplia de usos e assim integrados ganharão o estatuto de naturais. Como tudo na vida a contaminação cultural pode ter aspectos positivos e negativos. Consideram-se positivos quando enriquecem o conteúdo das nossas vidas ou representações, passam ao grupo contrário na situação inversa.

Toda esta divagação vem a propósito de um episódio de férias bem ilustrativo das contaminações culturais e da forma como as gentes as vêem e interpretam. Conto, para ilustrar, o que aconteceu no restaurante de praia onde almoço regularmente.

Apeteceu-me naquele dia deliciar-me com uma bela cataplana algarvia. Cauteloso, porque já me escaldara várias vezes, perguntei à simpática dona do restaurante se por acaso ela punha natas na cataplana. Tranquilizou-me de imediato o seu ar, mais que de espanto, de completa incredulidade:

-Natas na cataplana? Oh, God! Que nojo!

Logo ali estabeleceu a genuidade da sua cozinha tradicional exaltando a qualidade do peixe e marisco utilizados – vindos do pescador – do azeite da melhor qualidade, dos tomates e cebolas provenientes de horta própria. Descansou o meu coração perante tais mostras de genuidade e antevi-me no gozo pantagruélico daquele cozinhado lento em que os ingredientes se misturam numa química de sucos deliciosos e, como elucidado fui, de grande qualidade. Para não estragar o sabor e o apetite decidi passar o tempo de espera sem tocar em aperitivos ou entradas, totalmente livre para os esperados sabores. Entretive-me a olhar o mar e aguardei por um tempo infinito que a comezaina se aprontasse. Quando o desespero já me fazia pensar se devia ou não forrar o estômago com qualquer coisita chega, triunfante, a famosa cataplana. Devo dizer que ao ser aberta os odores inebriantes se fizeram sentir de imediato transformando em verdades intransponíveis a propaganda da senhora. Mas, pecado dos pecados, sobre a rescendência e as cores brilhantes do conteúdo, uma horrível mancha amarela destruía toda a cataplana. Em cima, nadando no molho, uma imensidade de batatas fritas coroava impudicamente o meu prato de eleição. Percebendo a desilusão que se me estampava na cara, onde eloquentemente transparecia um outro Oh, God! Que nojo, atalhou a minha hospedeira antes que eu pudesse dizer qualquer coisa: É assim que os estrangeiros querem!

Tive de fazer uso de toda a minha capacidade de análise antropológica para não dizer uma asneira das grandes.



Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

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