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agosto 17, 2011

Mudança de localização

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Desculpem o incómodo.

abril 29, 2011

A revolta do manso





Certo, certo é que vamos todos ficar mais pobres. Quero dizer todos quantos trabalham para o Estado, são reformados e de modo menos direto aqueles que laboram nas empresas privadas. Isto é, a maioria da população. O número de pobres abaixo da linha de miséria crescerá geometricamente, conforme forem falindo as pequenas empresas e o tecido social tenderá para a rotura. Entretanto os bancos farão lucros maiores e as grandes empresas privadas e a privatizar, apresentarão dividendos imorais a distribuir por meia dúzia de acionistas cada vez mais ricos, cada vez mais distanciados do povo e dos interesses da nação. Com o aumento da desigualdade económica a classe média, sustento habitual das democracias, perderá peso e importância e as decisões estratégicas passarão a ser tomadas por corporações oligárquicas que as ditarão aos “governos legítimos”, sempre mais serventuários da ideologia do lucro, os quais, com respaldo nas forças públicas, as imporão violentamente à sociedade. É claro que este clima levará ao aparecimento de células de resistência as quais, igualmente violentas, responderão taco a taco às forças “legais”. O crescimento da pobreza, o despudorado aumento de riquezas ofensivas, a repressão medrante, a fraqueza governamental, será campo fértil para o aparecimento de geografias autoritárias sobre o território. Assim, senhores, desceremos paulatinamente as escadas do inferno.

Os seus porteiros já aí estão! Vieram, como convém, de fatos e óculos escuros. Os fatos por, lá no íntimo, se reconhecerem como coveiros de povos, os óculos para cortar a reverberação deste sol exótico, quase tropical, que leva os indígenas à moleza e à dívida. Esquisito, esquisito é que o FMI, impoluto defensor do pagamento atempado dos créditos bancários e promitente executor de ajudas aberrantes, até veio disfarçado de PIDE bom! Calculem que, ao invés das instituições europeias que querem ver amochar os PIG’s – e só pela sigla se vê a consideração que eles têm pelos europeus periféricos – e pretendem castigá-los pelo mau uso da economia local e dos fundos, a seu tempo enviados e, alguns, nunca se soube com clareza, desviados. Com ar cândido reflete um dos chefes das missões só observar faturas de auto estradas e não ver nada para investimento produtivo. Hipocrisia, é o que é! Então não foi a Europa, na sua distribuição internacional do trabalho que decidiu que em Portugal se aniquilariam pescas e agricultura – calculem que até quiseram que arrancássemos as nossas vinhas para os alemães poderem por no mercado vinho a martelo – defendendo que, como estávamos atrasados na produção competitiva mais valia dedicarmo-nos aos serviços, vide, turismo. Por isso, em vez de infraestruturas industriais os nosso governos fizeram aquiescentes, hotéis e autoestradas para completa satisfação da Europa rica. Lixámo-nos, pronto!

Agora, os mesmos que nos designaram o caminho vêm, muito judiciosa e atempadamente, reprovar o destino dos planos de desenvolvimento, sabiamente esquecidos das suas fortes indicações e implicação.

Mas são só eles os culpados? Claro que não. As nossas governações e dirigentes empresariais receberam os pecúlios e, com ou sem proveito próprio, isso agora é secundário, nos meteram neste círculo vicioso, andam atarefados a passar-se mutuamente as culpas. Ao ouvir os discursos oficiais ficamos com a sensação de que uns não têm estado cá, que outros só nos últimos quinze dias é que se aperceberam – por maldade pura das oposições – que o "deficit" e a dívida tinham, certamente por ocultismo e outras artes mágicas, chegado a altíssimos e incomportáveis montantes. Sendo as nossas governações (todas) alheias ao fenómeno fica-nos então a certeza da existência de poderes sobrenaturais, trabalhando na sombra, para destruir as intenções e trabalho de tão honestos e desinteressados servidores públicos. Tenham tento e vergonha na cara!

O FMI, e quejandos, estão aí, agora de viva presença porque, como o Senhor, sempre esteve entre nós e traz-nos o atestado de irresponsabilidade e incompetência com que a Europa nos distinguiu. Montaram um espetáculo circense de ouvidores públicos esperando apenas ouvir a concordância com a receita que já trazem passada. Não tenham ilusões! Nada do que aqui lhes seja dito poderá mudar seja o que for. Estas negociações são como as sentenças dos antigos tribunais plenários cujas estavam ditadas antes de começar a audiência. Já conhecemos isto e, lidos os sintomas, percebemos caminhar para uma ditadura financeira com máscara de democracia representativa. Os órgão de decisão são agora as agências de “rating” – na posse de financeiros interessados no colapso do euro e das nações – as bolsas e os fundos financeiros. Tudo o mais é conversa. Sabem que com esta coisa da desregulamentação financeira até é possível fazer um seguro contra a perda de valor de ações de empresas, de que não possuo uma única ação, ou de dívidas de países soberanos das quais não tenho qualquer título? Como ouvi bem explicado é como comprar um seguro contra incêndio de uma casa que não é minha. O meu interesse será portanto que a casa arda ou que a economia do país se desmorone. Assim, posso recobrar com lucro, o dinheiro que investi no seguro. Não é este um admirável mundo novo?

Por isso aqui fica o desinteressado aviso: o caminho que estão a tomar é muito perigoso. Tomem atenção ao que poderá vir a acontecer quando o povo, até agora manso e acabrunhado, entrar em desespero e revolta. É terrível a revolta do manso!


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abril 05, 2011

Vejam bem…




(Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar…
José Afonso)





Todos ouvimos os senhores do capital a rezarem furiosos, nas suas catedrais de comunicação, em presença ou através dos diáconos a que apelidam de comentadores – sempre os mesmos e sempre com o mesmo discurso – pela descida do Santo FMI dos céus à Terra. E fazem bem! Porque eles, ao contrário de nós, conhecem bem as coisas que os servem e lhes interessam e, precavidos ulisses, não se deixam dominar por cantos de sereias. Não são estúpidos e sabem muito bem o que essas melopeias valem, porque são eles que as ordenam.

Observemos, então!

A Grécia, obediente e culpada de mau governo e contas fraudulentas, foi a primeira a submeter-se às drásticas medidas do Fundo. Como é hábito, dentro da coerência neoliberal que o fundamenta, mandou cortes violentos nos salários, nas reformas, no acesso ao crédito, nas prestações sociais e por aí fora. Tudo sacrifícios enormes, suportados pela população, com reiteradas promessas de que o objetivo desta penitência seria a felicidade comum a curto prazo. Azar! Atrás de sacrifícios vêm sacrifícios e o caminho para a degradação de padrões de vida não para.

A Irlanda, a aluna aplicada, que fez do credo liberal o seu modo de vida, após efémero sucesso viu a bolha bancária explodir e, em consequência instalou-se a miséria, causando, de novo, ondas de emigração como já não amargavam há décadas. Claro, obedeceu ao FMI, fez cair o governo, aplicou as dolorosas medidas e vai piorando dia a dia.

Em Portugal o governo PS opôs-se, no discurso, valorosamente com inaudita coragem (são eles quem o afirma) à entrada do FMI. Que não, seria uma vergonha nacional, onde ficaria a honra da Pátria? Na prática, às prestações, PEC após PEC, aplicava a receita consagrada, para aplacar os mercados e a cada aplacação, os juros aumentavam, a pressão não diminuía, as exigências cresciam em proporção geométrica. Mas o governo não via nada disto. Famílias inteiras no desemprego, sem auxílios sociais, caindo velozmente na maior miséria não existiam no universo virtual onde os nossos ministros pairavam. No lugar de agora, sob a égide de Sócrates, vivia-se no melhor dos mundos.

Como a realidade não se compadece com cegueiras coletivas, ao PEC IV, o abcesso rebentou. Aqui d’el-rei que os mercados isto, que os mercados aquilo, agora é que vão ser elas. A irresponsabilidade campeia. A mim o dilúvio! Os mercados, tal como anteriormente, continuaram no mesmo caminho a pressionar e a aumentar os juros. Mas o governo esqueceu os aumentos anteriores. Ficou obcecado pelo seu derrube, usou a borracha, e propagandeou que todo o mal veio ao mundo após este pecado original. Primeiro-ministro, ministros, sicários, propagandeadores e quantos “boys” foram providos de proventos, vêm à praça, na grande imprecação dos seus sonhos de poder desfeitos. Nada lhes interessando os sonhos de vida de milhares já acabados, repetem, até à náusea, a ladainha da vitimização, incapazes de olharem, mesmo que brevemente, as imensas culpas que lhes cabem.

O PSD e o CDS, cansados de esperar pelo seu bocado, coerente com os credos capitalistas que fazem seus, não têm paciência para os socalcos do socialismo de Sócrates e querem maior rapidez e profundidade nas medidas. Isso, porém, para não perder votos, só executadas por força exterior. Então que venha o FMI e já! Pobres tresloucados. Não percebem que serão os primeiros a perecer perante o maremoto. É que, como se pode ver pelos exemplos anteriores, ao Fundo apenas interessa garantir o pagamento da dívida aos seus patrões. São capatazes dos especuladores financeiros que, para seu provento próprio e egoísta, na sua ganância sem limites, não se importam de levar as nações à guerra nem os povos à miséria, desde que tal traga lucros. É para este belo panorama que o futuro e requerido governo maioritário ou de coligação nos quer levar. Nem mais!

Entretanto, a pequena Islândia, farta de engordar gulosos, pôs-lhes um forte freio. Pagar a dívida, sim, mas à distância. Querem-na saldada em oito anos? Impossível sem dessa forma se condenar o povo a pagar dolorosamente um crime que não cometeu. Pagamos em trinta anos! É pegar ou largar! Sem outro remédio perante tanta determinação, os abutres tiveram de pegar. Quem levou o país ao descalabros? Os políticos e os banqueiros. Então julguem-se e façam-nos pagar a crise em que nos lançaram. Ontem, 4 de abril, foi passado mandato de prisão para o primeiro banqueiro julgado por tais delitos.

Há, como se vê, outras formas de reagir à desdita. Demonstram-nos eles que, além das medidas canónicas, estabelecidas pelos criadores da crise e ainda em seu próprio proveito, existem alternativas de que nos tentam desviar. Falta aprendermos a lição e começar a pensar.

Na próxima sexta-feira, o Bloco de Esquerda e o PCP, finalmente, decidiram marcar um encontro. Não sei se será tarde ou se tal reunião renderá frutos, mas é uma esperança que não se pode deixar de lado. Será, talvez, assim o espero, o início de uma verdadeira alternativa a esta política de vampiros que nos amarra e voluntariamente nos cega para as verdadeiras oportunidades. Vamos ficar a ver, torcendo para que a inteligência vença o preconceito e a verdade se imponha à mentira em que os mandantes nos têm trazido.

Ah! Muito importante. Hoje, a Europa, certamente muito preocupada com a fome que grassa entre os seus milhões de pobres, publicou um estudo e recomendações sobre os hábitos tabagistas dos cidadãos! Mesmo adequado à situação e muito a propósito!


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março 31, 2011

Ora agora corto eu, ora agora cortas tu!




Ninguém discute que o destino natural das vaquinhas é pastarem num prado verde, comerem ração num estábulo e serem ordenhadas para fornecerem de leite as sociedades humanas. É assim desde há muito, irá continuar a ser, mas, ao contrário do que se pensa, nada há de natural neste destino. As queridas vaquinhas são uma perversão da natureza a tal obrigadas pelos homens. Foram transformadas de seres naturais em produtoras industrializadas, retirando-lhe os meios inatos de vida e pondo-as na dependência extrema dos humanos. De tal modo que agora, sem eles, feneceriam de forma horrorosa.

Também, quando olhamos para a nossa agremiação e para as medidas que os nossos governos vêm tomando, há para cima de três décadas, não poderemos ver-nos senão como dóceis vaquinhas do fisco, isto é, do Estado ou melhor de quantos no Estado fazem dele o estábulo onde mungem, até à secura, as suas vaquinhas. As quais, repito para os distraídos, somos nozinhos mesmos e inteirinhos!

Passada a euforia da queda de Sócrates - mesmo que ele a tenha pretendido, vê-lo cair, sabendo quanto tal estratégia faz doer o seu egocentrismo primário, não deixa de valer bem três vinténs, na aceção daquele velho ditado de que”vale mais um gosto que três vinténs” – vemo-nos de novo confrontados com o que há a fazer para que este povo não caia na mais desolada miséria para onde, a cortes rápidos de meios de vida, ardorosamente, é encaminhado.

Olhando para o espectro político, para o cada vez maior desinteresse pela política clássica revelado pelos nossos concidadãos, somos levados a concluir que com estes partidos (tal como estão) não se irá muito longe. São por demais velhos, cheios de artroses que o tempo lhes infligiu e demonstram extrema incapacidade não só em se reformularem, como em perceberem que, para sobreviver, terão de passar por uma mudança substancial. Parafraseando e adaptando à situação uns versos do meu falecido amigo António Monginho, digo:” os rapazes da minha geração estão todos mortos, eles é que ainda não sabem”. Idem, aspas, aspas, para os partidos. Adormecidos nas suas querelas inter e intra partidárias, aos poucos se fenecem, sem uma palavra atuante e atual para os factos com que este mundo nos vai paulatinamente defrontando. Da direita dos interesses à desinteressante esquerda - sempre mergulhada em divisões de purismos ideológicos que impedem a sua atuação eficaz num mundo para o qual os purismos são devaneios académicos que ficam bem nas estantes, mas que não colocam uma fatia de pão nas mãos de quem tem fome – o horizonte que nos é permitido é o das baias do estábulo onde a ração não abunda, cada vez é mais rateada, e não conseguimos ver outra coisa além dos limites deste pequeno horizonte permitido.

Mas sabemos, pelo menos alguns de nós sabem, que tal horizonte é mentira. Que as soluções únicas apenas o são por interessarem a quem de “direito” e que toda a cena social é montada de molde a que ninguém possa ver além dos antolhos que lhes são colocados. Por isso os que sabem são expurgados, vilipendiados, humilhados, para que desistam, para que se calem, para que não denunciem. É esta a eterna luta dos contrários e a dinâmica da vida, das sociedades, do universo. Caos, ordem, crescimento, apogeu, decadência e de novo caos para início de um novo ciclo. Adivinhem em que estádio está a nossa sociedade. Vale um doce para quem acertar.

Por isso, PS, PSD, agências de “rating”, FMI etc., etc., etc., não são mais que epifenómenos deste movimento que ou ultrapassamos ou nos fará perecer. A geração “à rasca”, por motivos vários, é a mais qualificada e melhor preparada dos últimos anos. Começa a mover-se e tem gente para tal movimento. Serão eles, quando tomarem as rédeas, que, eventualmente, permitirão acabar esta modinha do vai cortando e que nenhum governo velho ou novo, obnubilado e imerso neste paradigma, será capaz de alterar. Até lá, caros companheiros de infortúnio, apertem os cintos e peçam que os instrumentos de ordenha não sejam por demais dolorosos, sabendo que esta gente que nos governa ou quer governar, de nós apenas pretende o úbere pronto para mais uma ordenha mesmo que, por exaustão, seja apenas sangue o que nos sugam.


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março 20, 2011

Lua Cheia

 

 

lua cheia

 

Ontem, 19 de março de 2011, quase início do equinócio da primavera, dia, também, do maior plenilúnio dos últimos não sei quantos anos, a coligação ocidental abriu as hostilidades aéreas contra a Líbia.

É minha firme convicção, passe embora a subtil lapalissada dos termos, que não se pode julgar do mesmo modo o que em si é diferente. Por isso, entre o receio dos males que possam vir a produzir-se e o conhecimento do que aconteceu e está a acontecer no Afeganistão e Iraque, eu esperava ansiosamente que a resolução da ONU fosse tomada e acatada. Pode parecer incongruência mas eu explico.

O senhor Kadhafi foi, até há uns anos, indubitavelmente, um dos senhores do eixo do mal. Subsidiava terroristas e acometia alvos civis como forma de luta dita de libertação de qualquer coisa. Por estas ações chegou mesmo a ser bombardeado, no seu palácio, pelos aviões de Clinton. Era, para todos os efeitos, considerado um déspota, um ditador e um ser que não respeitava nada nem ninguém. Depois, pelos milagres que podem fazer o dinheiro e o petróleo, este ser esquisito, comprou a respeitabilidade e conseguiu até, retirar da justiça inglesa, o condenado pelo despenhamento do avião inglês em Locherbie. Como diria Pessoa, malhas que o império tece…

Senti-me humilhado quando, convidado a vir a Portugal, todas as impertinências foram permitidas a este ser odioso que passou a sua repugnante figura, em desmedida altivez, perante o olhar bacoco dos nossos governantes, reduzidos a serventes do querer da personagem. Foi pouco dignificante e esteve ao melhor nível de Sócrates.

Depois, com o vento libertário que corre o norte de África as nossas democracias, e quase todos nós, desconfiados embora com a fartura e expectantes sobre os caminhos que cada uma das sublevações poderia tomar, vibrámos com a queda de qualquer ditador e sentimos que a história se construía sob os nossos olhos, numa aceleração que poucos, até aí, concebiam ou desconfiavam. O mundo entrou em delírio e toda a gente falava no efeito dominó. Uns ditadores fugiram, outros soçobravam por falta de apoio das forças armadas e, outros ainda, iniciaram o massacre dos povos que, nas praças, reclamavam os direitos de liberdade e alguma igualdade. Na Líbia, o feroz Kadhafi decidiu afrontar o seu povo. Para tanto utilizou a sua guarda bem armada e contratou mercenários para reconquistar o terreno que os revoltosos tinham ocupado. Passámos a assistir a um combate desigual onde às armas ligeiras se respondia com artilharia e aviação (lembram-se da Palestina?). O ditador oferecia a morte indiscriminada e massiva ao seu “adorado povo”, pelo qual, via-se, nutria o mais profundo desprezo, servindo-lhe apenas para satisfazer os seus caprichos.

Sentia-se ser necessário pôr um travão ao homem e não deixar que a sua psicopatia avermelhasse, com sangue, o mel das areias do deserto. Não respondeu a avisos e continuou desafiante o processo de liquidação dos seus adversários. Mesmo quando recebeu o ultimato, ao melhor nível das verdades governamentais, informou o mundo que tinha mandado cessar-fogo quando, na realidade, acentuou o volume dos ataques. Por isso, ao ver como a resistência em Bengasi soçobrava perante a vaga atacante, vencendo velhos receios e preconceitos, ansiava pela instauração da zona de interdição aérea aos aviões líbios.

Colocava-me, nesta posição, em confronto direto com muitos amigos que, sugestionados pelas invasões já referidas, pensavam que se tratava de um assunto interno e que não deveria, portanto, consentir-se num ato que seria mais uma invasão a um país do petróleo.

É aqui que a diferença se mostra. Para além de não estar prevista nenhuma ocupação terrestre tratava-se, tão-somente, de eliminar a possibilidade de ataques aéreos e de artilharia pesada contra cidades. Nós tínhamos a obrigação moral de não permitir a matança que se adivinhava. Não só porque, no entusiasmo libertário, os conduzimos àquela situação, mas porque as próprias leis, aceites por todas as nações com lugar na ONU, não permitiam que, havendo meios, não se fizesse a proteção das populações em risco.

Sei muito bem, não sou assim tão ingénuo, que se não houvesse petróleo em jogo estas ações teriam sido postergadas até que a liquidação do movimento libertário as tivesse tornado inúteis. Estivemos quase lá, mas a antevisão da necessidade de mais combustível nos mercados, agora que o nuclear vai entrar durante algum tempo em recessão, levou os habituais estrategas do não se faz a pensar de modo distinto. E pronto, ao contrário do que se passa com o Darfur e outras zonas sem o mal cheiroso líquido que faz andar o mundo, a intervenção começou. Por um lado fiquei aliviado porque muitas vidas inocentes serão poupadas e, possivelmente, o ditador poderá ter os seus dias de prepotência e arrogância contados. Por outro, assusta-me a voracidade francesa e o pensamento de que o senhor Sarkozy esteja a ver a possibilidade de reiniciar o velho sonho da direita francesa: voltar a ter um império.

Sou pois a favor, não desconhecendo os perigos, da intervenção limitada das forças da ONU na Líbia onde, ontem, para os meninos de Tripoli e Bengasi, passou, certamente despercebido o fenómeno lunar que nos encantou. Creio aliás que, escondidos no interior das casas e bunkers, ou ofuscados pela luz dos rebentamentos de mísseis, o fenómeno tenha sido não só invisível, como completamente irrelevante.

E, sinceramente, apoiando sem rebuço esta intervenção contida, tenho pena. Tenho mesmo muita pena pela sua absoluta necessidade.

 

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março 11, 2011

Crápulas!



A gente sempre soube que os governantes raramente são de confiança. Começam todos por jurar só pensarem no bem do povo e acabam, invariavelmente, por cuidar apenas dos próprios benefícios, contra os interesses da maioria, marimbando-se completamente para os efeitos nefastos que possam trazer à vida de todos os outros. É um fado de que não conseguimos livrar-nos e que, com maior ou menor azedume, lá vamos acompanhando, à miséria e ao desespero, em tom de ré menor. Mas sempre em desgarrado desalento! Por mais voltas que se dê e por melhor que sejam as palavras e mais brilhantes os oradores, será sempre altamente deficitária a posterior correspondência com os atos.

Desabafava assim o Belegário hoje, pela manhã, quando me encontrou calmamente tomando o café que me haveria de despertar para o dia. Tinha só beberricado um diminuto golinho quando ele desabou sobre mim não estando, portanto, capaz de desfazer o embrulho em que a sua torrente de palavras me submergiu.

Ainda bem que apareces, disse, tentando recompor-me. Não te via há muito tempo e ainda na semana passada um amigo, no almoço da tertúlia, perguntou-me por onda andarias tu. Já estava com saudades do teu mau génio. Mau génio, o tanas, replicou. Como é que se pode andar contente neste pardieiro de país. São só palavras de palavras e atos, quando os há, são precisamente o contrário daquilo que se anuncia ou se comenta. É uma súcia de patifes, de burlões, todos a correr para o tacho, todos a ver quem melhor se amanha e, o que é pior, é que a desvergonha vai tão açulada que já nem sequer procuram disfarçar a avidez com que “vão ao pote”.É isto que para eles é conquistar o poder. Beber no cântaro até fartar e de preferência mantê-lo num lugar recatado onde ninguém mais, fora do grupo, possa chegar-lhe. Corja!

O Belegário, muito portuguesmente, cuspiu para o lado numa onda de nojo pela política e de alívio do catarro.

Sabes, placou-me depois de aclarada a voz, hoje, ao acordar, ouvi no noticiário, no rádio, que este miserável desgoverno nos ia aplicar mais uns cortes na segurança social, na saúde e nas reformas. Tudo em nosso benefício, claro! Por outro lado ontem ia despejando as tripas ao ouvir as medidas que os amigos convocados pelo PSD, para lhe darem ideias para o programa de governo, tiveram a lata de apresentar. Para além da novidade de não trazerem, na maior parte das propostas, novidade nenhuma, aquelas que apareceram bem podiam ser apresentadas numa rua escura por um bando de meliantes, de cara tapada e armas na mão, a assaltar transeuntes descuidados. Nem mais nem menos os fabianos sugeriam que, nas empresas privadas, fosse permitido diminuir os vencimentos dos trabalhadores e, como contrapartida, certamente para equilibrar, propunham que se aumentasse os vencimentos dos políticos. Está-se mesmo a ver que, antecipando a chegada ao poder, já estão com os tachos pretendidos em mira e, por mero espírito de sacrifício e serviço público, decidiram imolar-se, metendo mais umas notas no bolso, quando vierem a ocupá-los. Isto é, com certeza, para se mostrarem solidários com a abnegação que impõem aos outros e para os ensinar a não viverem acima das suas possibilidades. Desta forma, eles poderão gastar à tripa forra, alimentando-se com a nossa fome, mas, seguramente e dados os seus acrescidos proventos, livres do feio pecado, cometido por todos este povo de, por excesso de incauta avidez, viver acima das suas possibilidades.

Estou farto, espumava o Belegário. Sinto-me espoliado nas esperanças, roubado no futuro, desesperado por não poder acreditar em ninguém e rebenta-me a cabeça no esforço de tentar perceber como poderemos livrar-nos desta canalha, destas hienas fedorentas que se alimentam da carniça causada por tantas medidas castradoras e injustas, impostas a jovens e velhos, enquanto assobiam para o lado e vão, por desmedida usurpação, condenando as forças da nação à deliquescência. São culpados em altíssimo grau de genocídio geracional. Não deixam vingar os novos e, por míngua e aflição, matam os velhos. Oxalá rebentem, de gangrena fiduciária, quando forem aos bancos buscar os proventos das aplicações de capitais roubados à população.

Levado na sua onda de indignação o Belegário continuava a discorrer. Quero lá saber se o discurso do Presidente ataca ou defende o Governo. Isso é lá entre eles. Entendam-se! Eu bem vi, na campanha eleitoral, como a zanga das comadres lançava para o público parcelas de verdades inconvenientes. Mas parecia que ninguém ouvia. Pois se é tudo boa gente! Estão todos no poder por filantropia e inquebrantável amor ao povo. Ninguém vai para o poleiro porque isso lhe permite um salto qualitativo no estatuto social. Não senhor! É só desinteresse pessoal e vontade de construir um mundo melhor para os palermas que se levantam pela madrugada para vergarem as costas durante todo o dia. Também porque haviam de ter uma vida diferente? No fundo é só o que sabem fazer e do que gostam. Dá-se-lhes à noite um qualquer big brother e eles ficam felizes. Já não pensam em mais nada e estão prontos para a repetição de mais um dia de cansaço e desânimo. Para o mais têm o Benfica e Nossa Senhora de Fátima! Olha, rematou sem aviso, tenho andado muito quieto mas amanhã, já decidi, vou acompanhar o meu filho na manifestação Deolinda. Parvos é que eles não são e começam a despertar. Talvez venha esta geração a ser aquela que os vai pôr “à rasca”.


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fevereiro 24, 2011

A casa do esquecimento



Deambulam de lado para lado sem desígnio aparente. No entanto buscam algo que não sabemos, ou não sabemos se sabem. Percebe-se apenas a inquietude resultando nas idas sem destino para lado nenhum. Recolocam-nos nos lugares que lhes estão destinados para de novo, sem qualquer prenúncio, abalarem diretos a nada ou a todos os lados que a memória já não distingue e a vontade não nomeia. Param, por vezes, junto de ti e olham-te, sem ver, na busca de uma qualquer ideia de rosto ou de passado. Continuamos sem saber se procuram ou o que procuram. São perfeitos enigmas deslizando fantasmagoricamente para lado nenhum.

Mesmo que sejas quem talvez eles queiram reconhecer não te percebem no olhar onde só nadam ausências. É estranho! É aflitivo!

Por vezes pensas que te vão falar e, expectante esperas. Falso alarme. A boca pareceu querer mover-se, uma pequena centelha ardeu no olhar, o corpo esforçou-se para se abrir, mas nada. De novo a impotência e a solidão de um corpo que se desenha na incomunicabilidade. Tão sozinhos! Tão desamparados! Será que vêm? Que percebem? O que falha? Não sabem dizer-nos. Não sabemos distinguir. É um frio sem vento, um gelo sem água, um corpo quase sem amarras.

A sua estranheza destrói todos quanto com eles convivem diariamente. Não nos reconhecem! Exigem, sem saber, cuidados constantes. Vive-se para eles vinte e quatro sobre vinte e quatro horas. Não sobra espaço para mais nada. Vampirizam, inconscientes, a vida de quem os rodeia.

Sabes quem eu sou amor? Não sabem ou não sabem dizer que sabem. O desespero toma retrato nos olhos vagos, na, por vezes, doce demência da completa ausência. Parece não existir nada naqueles espíritos. Mas deverá existir, não é? A natureza, diz-se, tem horror ao vazio. Como existir para eles o tempo todo se nada dizem, ou sentem, ou transmitem? De novo o desespero. Onde guardá-los, a estes anjos deslizantes, se pouco sítios há para tal? E os custos do internamento sempre maiores que grandes? Volta o desespero a martelar os dias de quem com eles os vive. Mas não há nada a fazer? Que querem, não se pode chegar a tudo. Eles apenas incomodam os próximos, não é? Mas assim os próximos estão condenados ao inferno! Ora, o que se lhes há de fazer? Segue o discurso descomprometidos de pessoas, grupos e instituições a quem o problema toca de leve. A cruz é dos atingidos. É pena! Nada podemos fazer!

Por isso, há poucos dias, um senhor na casa dos oitenta, com a esposa de idade próxima sofrendo de Alzheimer, estrangulou-a suicidando-se de seguida. A sociedade compungida pôs lutos de sofrimento, encolheu os ombros e seguiu em frente. E tu. E eu. Que vamos fazer? Provavelmente esperar até que a desgraça nos bata à porta e depois, rodeados de impossibilidades, usarmos as mãos com que nos amámos para, num derradeiro gesto de amor, encerrarmos as portas da casa do esquecimento.

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