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setembro 17, 2009

A Sétima Vaga






Uma velha lenda do sudeste asiático, terras bem conhecedoras de violentos maremotos, conta-nos que a Natureza, em virtude dos maus tratos que os homens lhe dão, por vezes se zanga com a humanidade. Nessa altura as águas do mar invadem a terra e a sétima vaga destrói todos os vestígios humanos em terra. Ao cataclismo, mito paralelo ao dilúvio ocidental só que com repetições periódicas, segue-se a regeneração da humanidade, a partir de uns quantos sobreviventes escolhidos. Este ciclo continuará enquanto as sociedades não chegarem à plena harmonia com o todo e forem cometendo erros contra a Natureza.

Recordo-me de, há também muitos anos, ter visto um documentário sobre um colónia de insectos que viviam em folhas de nenúfares flutuando num lago. A ausência de predadores e a organização social dos bichos permitiram que se tornassem espécie dominante e com grande sucesso demográfico. Com tanto êxito que, o excesso de população e consumo, fez afundar as folhas de nenúfar destruindo, por afogamento, toda a população.

Assim como se fora uma Atlântida dos insectos.

Estes dois exemplos servem para introduzir a questão que tenho vindo a colocar-me com frequência e que, sendo de fácil resolução em termos racionais, é praticamente impossível de pôr em prática por causa de direitos, desejos e emoções. É tal magna pendência a de saber se o modelo de crescimento contínuo em que vivemos poderá manter-se indefinidamente e para todo o género humano. Ressalta perfeitamente, a qualquer ser pensante, que não é possível tirar proveitos infinitos de coisa finita. Só se podem retirar objectos de um saco enquanto ele não estiver vazio. No entanto, em relação às possibilidades do Globo, é deste modo que procedemos. Agimos como se os bens fossem inesgotáveis e fosse possível manter o crescimento das produções ininterrupto e por todo o sempre. Mas o que acontecerá se defendermos que as nações, nestes actos, estão a depredar o nosso habitáculo – o planeta – e que melhor seria diminuir os nossos consumos de molde a fazer-se uma distribuição equitativa e racionalizada por toda a humanidade?

Bem, isto seria o cabo dos trabalhos!

Veja-se como toda a gente já percebeu que a continuidade do modelo de vida e consumo ocidentais – a expandir-se para todos os lados – vai conduzindo, pelo aquecimento global, à situação em que, como no mito citado, a Natureza lança a sua sétima vaga de absoluta limpeza. Que fazem as nações? Conversam, combinam e nada cumprem, agravando cada vez mais o problema, porque ninguém quer ceder um pouco do seu bem-estar e da ambição de incessante aumento do mesmo, de molde a abrandar o esgotamento e deterioração do ambiente e dos recursos naturais.
E têm, aparentemente, razão.

Porque é que eu hei-de ceder algo das minhas facilidades a favor de outros que nem conheço ou de um tempo em que já não estarei no mundo? Por outras palavras, porque hão-de os brasileiros deixar de melhorar a sua economia, devastando o pulmão do mundo – a Amazónia – para favorecer o nosso tipo de vida a que tão poucos deles têm acesso? Ou os chineses continuarem em pobreza endémica para não acrescentar mais poluição à gerada pelos países industrializados? E que partido, no Ocidente, de direita ou de esquerda, ousaria incluir no seu programa medidas de decréscimo de bens ou diminuição de protecção social sem ver desertar eleitores?

Pois é. Os geólogos bem nos avisam contra as várias extinções em massa ocorridas no nosso planeta. Se é verdade que tais factos se devem a causas exteriores como as radiações gama - provenientes de supernovas -, ou impacto de meteoritos; ou internas tais os vulcões, a divisão de massas continentais ou mudanças climáticas, a verdade é que agora, mercê da acção da humanidade, já se antevêem alterações ambientais que poderão vir a acrescentar mais um estrato geológico para o estudo de espécies malogradas.

Dir-me-ão os senhores a que propósito virá este arrazoado cataclísmico quando parto do princípio que falar de tais coisas é como pregar no deserto e que nunca, por nunca ser, deixaremos o produtivismo continuado e o trocaremos por um decréscimo de consumo mais compaginável com as possibilidades da Terra? A minha resposta, acompanhada por um sorriso cínico de impotência, será a de obter assim a única satisfação permitida a Cassandra. É a de olhar do alto o indígena atónito e pespegar-lhe um sonoro:

-Eu bem te avisei, não foi?...

Um pouco antes de, imparável, a sétima vaga fazer ruir todo o orgulho humano.



Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

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