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abril 17, 2009

UMA QUESTÃO MUITO SIMPLES




Indubitavelmente uma das teses que levaram Obama à vitória foi a sua firme oposição à política belicista da administração Bush. Se não tivermos a memória curta lembraremos ainda as ferozes intenções dos neo-cons que levaram a um cozinhado de falsidades tendentes a proporcionar não só a invasão do Iraque, como pretendendo ainda obter uma monstruosa autorização para declarar “guerras preventivas”, em qualquer ponto do mundo, bastando para tanto que o Império sonhasse haver nesses países armas de destruição massiva ou ideias que não agradassem aos ditadores, em potência, do mundo dito democrático. Recordemos, também, que um dos principais actos da invenção da guerra se passou nos Açores, com o apoio basbaque e oportunista de Durão Barroso, ali catapultado para a Presidência da Comissão Europeia, com o concomitante abandono do governo da República nos braços, linfáticos e tragicómicos, do menino-guerreiro.

O repúdio dos povos do mundo obstou, de certo modo, ao avanço rápido que se pretendia de tais idiotices e, a ganância levada à solta dos próceres desta sociedade agónica, precipitou a anunciada queda deste iníquo sistema. Obama veio a tempo, com o discurso certo, com a dose de esperança suficiente para iluminar um novo caminho. No entanto, como muitos analistas já salientaram, os neoconservadores liberais não entregaram ainda os pontos. É que, apesar da catástrofe em que precipitaram o mundo, ainda têm muitos e largos interesses a defender e bastantes aliados ocultos em florestas de boas intenções. O seu descaramento é crónico e total, apenas comparável à ambição e desprezo, sem limites, pelos outros. Veja-se de passagem o desplante com que gestores de grandes empresas em risco de falência foram pedir, a Obama e ao Congresso, fundos para salvar as empresas, deslocando-se em jactos particulares; como muitos dos milhões investidos foram, prontamente, desviados para pagamentos pessoais e interesses individuais, contrários ao desenvolvimento harmónico dessas mesmas empresas em regime de forte descapitalização.

Aguardava-se que o percurso de Obama não fosse simples e esperávamos que muitos alçapões se abrissem no seu caminho. Em nome da esperança do mundo confiamos que ele os distinga e os ultrapassasse. De facto, na maioria dos casos, não nos tem desiludido. No entanto, sabíamos que a questão da guerra seria o mais difícil teste por que teria de passar. As suas declarações foram no sentido de terminar a Guerra do Iraque, tornada incomportável em termos económicos e sociais, e investir mais força no Afeganistão, guerra que, dada a sua origem e forma de declaração, assume um carácter menos pernicioso para a maior parte das opiniões públicas. Assim, anunciou a retirada gradual do Iraque – numa pequena e primeira cedência ao programa enunciado – e declarou o reforço às tropas do Afeganistão. De facto, fez retirar doze mil soldados do Iraque, e mandou já dezassete mil para o Afeganistão. Feitas as contas, em vez de diminuir o esforço de guerra está, nitidamente, a aumentá-lo. Este caminho poderá mete-lo num beco sem saída, sobretudo se continuar com a intenção de “vencer a guerra no Afeganistão”. Esta é uma miragem perigosa, remanescente do pensamento bélico neo-com, assente numa ideologia de justiça vingativa sobre os acontecimentos do onze de Setembro. Se ninguém com um ínfimo de sentimentos pode deixar de recusar a condenação para quem delineou e executou tão míseros atentados, penso ter chegado o momento de proceder a uma reflexão mais profunda sobre as razões da guerra e da sua manutenção.

Com o ataque às torres gémeas saltou para o mundo o nome de Ben Laden. Até aí seria um perfeito desconhecido para a maior parte dos viventes. A partir dessa acção o seu nome passou a ser sinónimo de arqui-inimigo da humanidade. Entende-se a comoção e, até se percebe que estando ele no Afeganistão, sob a protecção declarada do regime talibã, fossem os mesmos, ao recusar a sua entrega, atacados pela potência ofendida. O mundo percebeu estas razões - ao contrário do que viria a acontecer no Iraque - apoiou e acompanhou activamente o esforço de guerra, quer na economia, quer no próprio teatro de operações. Os anos passaram! Não se capturou Ben Laden. A vitória militar conseguida então está, muito rapidamente, a transformar-se não só numa derrota local, como a assombrar o mundo com o risco de que o Paquistão, potência nuclear, entre em rota de dilaceração social, deixando nas mãos de párias e aventureiros uma verdadeira força nuclear. É um risco demasiado grande para ser corrido.

No entanto, ninguém ainda explicou a Obama uma questão muito simples: não se ganha militarmente uma luta de guerrilhas, muito menos num terreno como o do Afeganistão. Pela simples razão de que eles estão lá, são a população ou pelo menos uma boa parte dela. Os outros deslocam-se para lá com todos os custos sociais, pessoais, emocionais e económicos que tal comporta. Além disso, os americanos aprenderam-no certamente no Iraque, nenhum ocupante é percebido como libertador. Será sempre, por melhor que sejam as suas intenções, unicamente um opressor. A América deveria recordar-se do Vietname, do Afeganistão da ainda União Soviética, das guerras coloniais portuguesas. As armas apenas podem conceder um tempo para se prepararem soluções políticas. Nada mais! Se Obama insistir em ganhar uma guerra que nunca poderá ganhar perderá, não só a guerra, como as esperanças depositadas nele e no seu mandato. Terá que perceber que o seu interesse e o das nações não é compatível com o do lóbi industrial-militar dominante no seu país e que não é lícito impor formas de vida e valores sociais ou religiosos - porque os consideramos superiores, melhores ou mais evoluídos - a ninguém. Cada nação deverá viver com os seus valores e com os valores que, induzidos embora, venha a aceitar como bons para, voluntariamente, incorporar na sua vivência. A democracia servida na ponta das armas é pura ditadura cultural. Nunca levará a mais nada do que à revolta daqueles que, presumivelmente, pretenderia libertar.

É finalmente uma questão muito simples, mas essencial, a que se põe de imediato a Obama sendo definidora de todo o seu mandato. Ou pretende vencer militarmente a guerra e está, de antemão e a prazo, condenado ao fracasso interno e externo, ou entende que os povos devem viver e evoluir dentro das suas culturas próprias e em livre intercâmbio e integração com as outras culturas, podendo marcar o início de uma nova era, ideológica e económica, para todo o mundo, evitando os armagedões que se acumulam no horizonte. É uma tarefa hercúlea mas absolutamente necessária para não nos tornarmos, também, uma espécie em vias de extinção.



Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

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