Três Causas
Há neste momento três causas que me prendem a atenção. Não serão de igual valor para o observador exterior, mas todas têm em comum apontar para aspectos essenciais do viver e dignidade humanos. Duas causas têm nome de homem, a outra, sendo gramaticalmente masculina, atinge, não única mas principalmente, as mulheres.
Acabe-se então o mistério e, ordenadamente, desvendemos os nossos segredos!
Primeira Causa – Aristides de Sousa Mendes
Decorre pela RTP 1 um concurso denominado “Grandes Portugueses”. O modelo foi importado, salvo erro, da Grã-Bretanha e como é por demais sabido pretende, através de explanação de curtas e variadas biografias de notáveis de todos os tempos deste país, por meio de votação popular, determinar qual é o maior de todos eles.
Bem, só por isto não viria mal ao mundo e até seria interessante e pedagógico dar a conhecer os assinalados barões do peito ilustre lusitano (passe este tortuoso empréstimo a Camões). No entanto, algumas leves perplexidades são-me levantadas por este concurso. Começo por não saber como é que é possível designar “o maior dos portugueses” sem determinar, no mínimo, em que época e em que área. Confesso que a falta destes critérios me abala na minha escolha. Não sendo tarefa fácil nomear o maior dos portugueses em áreas definidas – por exemplo na poesia com Camões e Fernando Pessoa (e a Sophia e o Ruy Belo e o Herberto Hélder etc… etc.) – descobrir qual é o maior em absoluto parece-me, no mínimo confuso, no máximo tarefa impossível.
Como, no entanto, o impossível é o meu território, decidi fazer uma escolha. Escolhi Aristides de Sousa Mendes. O Homem que em Junho de 1940, quando Cônsul em Bordéus, em apenas três dias, desobedecendo às ordens de Salazar, salvou dezenas de milhares de pessoas do extermínio às mãos dos Nazis, condenando-se a si e aos seus, a uma vida de tal privação que, para alimentar a família, necessitou do auxílio de instituições de caridade.
Morreu em 1954 pobre e sozinho (os 12 filhos tiveram de emigrar) desonrado pelo estado novo mas com a dignidade única de ser um Homem sem par.
Não desmerecendo ninguém, eu, voto nele.
Segunda Causa: Sargento Luís Gomes
Já alguém disse que o direito não é sinónimo de Justiça. Nós sabemo-lo muito bem. O formalismo normativo, quando despido da necessária dose de percepção do viver humano, assume, por vezes, um não sentido, uma absurdidade e uma arrogância sem par.
É, para este caso, paradigmática a sentença de prisão de seis anos, por rapto, atribuída, por uma com certeza douta e meritíssima juíza, ao Sargento Luís Gomes. Justíssima punição, digo eu, merecida pela defesa intransigente que Luís Gomes e a esposa vêm fazendo no sentido de manterem o equilíbrio emocional e a felicidade de uma criança de cinco anos. Dos factos que deram origem a este caso não vale a pena falar. São por demais conhecidos e, felizmente, deram início a uma corrente de simpatia e solidariedade para com este militar que arriscou liberdade e carreira para fazer o que considera correcto. Há desobediências que só honram quem as pratica. Orgulho-me de viver num país que produziu um homem capaz destas posições.
Ele é, sem dúvida, um grande português!
Terceira Causa – O Referendo sobre o Aborto
Vou votar, mais uma vez, SIM
Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt
1 comentário:
«[...]
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza»
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